Sucumbência do MP deveria ser questão de paridade de armas

Sucumbência do MP deveria ser questão de paridade de armas

Matheus Cannizza, coordenador cível, e Geovanna Nicolete, advogada da área cível do Diamantino Advogados Associados,  tiveram seu artigo de opinião publicado no portal Consultor Jurídico (Conjur).

No texto, eles analisam uma importante oportunidade que se apresenta ao Supremo Tribunal Federal: a de redesenhar os contornos da responsabilidade do Ministério Público em sua atuação judicial na defesa do interesse público.

A discussão gira em torno da possibilidade de o MP ser condenado ao pagamento de custas, despesas processuais e honorários advocatícios nas ações judiciais em que for parte vencida.

Confira:

O Supremo Tribunal Federal está diante de uma importante oportunidade de redesenhar os contornos de responsabilidade do Ministério Público na atuação judicial em defesa do interesse público. Trata-se da possibilidade de o MP ser condenado a pagar custas, despesas processuais e honorários advocatícios nas ações judiciais em que for vencido.

O Tema 1.382, com repercussão geral reconhecida, teve origem no ARE 1.524.619/SP, em que o MP de São Paulo ajuizou uma ação executiva, baseada em acórdão do Tribunal de Contas estadual, contra um ex-presidente da Câmara Municipal de Jandira (SP), buscando o ressarcimento de valores.

O Tribunal de Justiça de São Paulo condenou o MP-SP ao pagamento de honorários advocatícios, custas e despesas processuais como consequência da sucumbência do Parquet nos embargos à execução apresentados pelo ex-presidente da Câmara de Jandira, desconstituindo as penhoras efetuadas na ação executiva.

O MP-SP recorreu do acórdão no STF, onde seu recurso foi recepcionado pelo ministro Alexandre de Moraes (relator) com reconhecimento de repercussão geral.

Controvérsia em relação aos honorários

A controvérsia reside em saber se o Parquet pode ou não ser condenado em custas, despesas processuais e honorários advocatícios nos casos em que o órgão seja derrotado ao buscar o ressarcimento do patrimônio público ante o seu papel constitucional de defesa do patrimônio público.

O assunto é espinhoso.

Tradicionalmente, a Lei da Ação Civil Pública (Lei 7.347/85), estabelece, em seu artigo 18, que não haverá condenação em honorários, custas ou despesas para o autor coletivo, salvo em caso de comprovada má-fé.

Essa norma tem sido aplicada também às ações de improbidade administrativa, ao menos até a edição da Lei 14.230/2021, que reformou a lei de improbidade e passou a prever expressamente a isenção de custas e honorários ao MP, novamente com a ressalva da má-fé.

Assim, o que está em jogo no STF é se, mesmo diante dessas previsões protetivas, o MP pode ser condenado nas hipóteses em que não logra êxito nas ações judiciais que visam ao ressarcimento ao erário. Atualmente, o MP pode ajuizar ações de grande impacto sem assumir os riscos que qualquer outro autor assume ao acionar o Judiciário, salvo se comprovada a má-fé.

Fiscal da ordem jurídica e defensor do interesse público

Entretanto, o que levanta argumentos críticos à referida proteção é o fato de que sua centralidade constitucional não poderia significar blindagem contra os efeitos de sua atuação judicial, sobretudo quando esta se mostra improcedente, mesmo nos casos em que não verificada a má-fé do autor (o que é bastante difícil de se comprovar casuisticamente)

A tese contrária à condenação do MP parte da premissa de que o órgão atua como fiscal da ordem jurídica e defensor do interesse público, o que exigiria proteção especial frente a eventuais sanções processuais, não podendo, nos casos de improcedência da ação, ser condenado a pagar honorários advocatícios e/ou custas e despesas processuais — assim como também jamais poderá recebê-los.

A isenção de custas e honorários, mesmo diante de derrotas processuais quando não comprovada a má-fé, cria um terreno fértil para a proliferação de ações temerárias, muitas vezes fundadas em provas frágeis ou hipóteses inconsistentes. O réu, ainda que vencedor, permanece obrigado a arcar com sua defesa técnica, sem qualquer reparação por parte do Estado.

Essa assimetria processual pode acabar permitindo propositura de ações coletivas frágeis, criando custos e inseguranças para os réus e para o sistema de Justiça como um todo. Muitos processos tramitam por anos a fio sem condenação e gerando prejuízos econômicos e de imagem daqueles que, muitas vezes indevidamente, foram incluídos na ação como réus.

MP não poderia ter salvo-conduto processual

Propostas legislativas em tramitação reconhecem esse problema, que não é novo. O Projeto de Lei 4.082/2023, prevê que a parte sucumbente, inclusive o MP, mesmo quando não age de má-fé, deve arcar com os custos se perder a ação.

A recente reforma da Lei de Improbidade (Lei 14.230/2021) manteve posição admitindo a condenação em honorários sucumbenciais, desde que comprovada a má-fé do autor. Isso reforça a ideia de que o Ministério Público, embora seja inquestionavelmente essencial à Justiça, não pode ter um salvo-conduto processual.

O entendimento jurisprudencial é de que ações de improbidade e ações civis públicas integrava o chamado “microssistema de combate à corrupção”, no qual o MP estaria isento de condenação em honorários, salvo se comprovada a má-fé. Contudo, não se pode deixar de lado o fato de que não são poucos os que são demandados injustamente e sofrem dos nefastos e prolongados efeitos deletérios de ser réu em ação movida pelo contra MP.

Não se trata, em absoluto, de limitar a autonomia funcional do Parquet. O que se deve ponderar com cuidado é a necessidade de que a autonomia funcional seja exercida com responsabilidade institucional. A boa ação, bem fundamentada e baseada em provas, continuará a ser proposta. Entretanto, as ações frágeis, baseadas em suposições ou em interesses políticos e (muitas vezes) midiáticos poderiam surgir com menos frequência num cenário em que o MP estivesse exposto ao custeio do ônus decorrente de sua derrota.

O STF tem agora a chance de reavaliar o entendimento sobre o equilíbrio entre prerrogativas institucionais e dever de responsabilidade processual. Não há verdadeira autoridade sem responsabilidade, e não há justiça sem equilíbrio entre as partes. Afinal, o interesse público não se protege com privilégios, mas com ações bem fundamentadas, técnica processual e respeito ao devido processo legal.

Fonte: https://www.conjur.com.br/2025-jul-15/sucumbencia-do-mp-deveria-ser-questao-de-paridade-de-armas/

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