
STJ adota premissa equivocada ao alterar prazo de compensação fiscal.
Vitor Fantaguci Benvenuti, advogado tributarista do Diamantino Advogados Associados, teve seu artigo de opinião publicado no Portal ConJur (Consultor Jurídico).
No artigo, ele analisa a recente decisão proferida no Recurso Especial (REsp) 2.178.201/RJ, em que a 2ª Turma do Superior Tribunal de Justiça alterou sua jurisprudência.
Confira:
Em recente decisão no Recurso Especial (REsp) 2.178.201/RJ, a 2ª Turma do Superior Tribunal de Justiça alterou sua jurisprudência, passando a entender que créditos decorrentes de ações judiciais transitadas em julgado devem ser integralmente utilizados em compensações administrativas (PER/DComp) no prazo máximo de cinco anos. Caso não seja possível esgotar o crédito neste prazo, o saldo remanescente será perdido.
Até então, entendia-se que o prazo de cinco anos se referia apenas ao limite para dar início às compensações (transmissão da primeira PER/DComp), mas o saldo remanescente poderia ser utilizado até o efetivo esgotamento do crédito, nos anos subsequentes.
Por ora, não se trata de um entendimento vinculante a outros juízes e tribunais, mas a decisão representa uma preocupante guinada jurisprudencial desfavorável aos contribuintes.
Para entender a controvérsia e sua relevância, cabe fazer uma breve contextualização.
É comum que contribuintes questionem cobranças de tributos perante o Poder Judiciário e, ao final, obtenham decisões judiciais transitadas em julgado reconhecendo o direito à compensação administrativa de valores indevidamente recolhidos.
Em seguida, os contribuintes têm o prazo prescricional de cinco anos para dar cumprimento à decisão (Súmula 150/STF e artigo 168 do CTN), contados do trânsito em julgado.
Para aproveitar o crédito mediante compensação, o contribuinte deve, inicialmente, realizar a prévia habilitação junto à Receita Federal (atualmente regulamentada pela IN RFB 2.055/2021).
Entre a data de protocolo do pedido de habilitação e a data de ciência do contribuinte quanto ao seu deferimento, o prazo prescricional de cinco anos fica suspenso (artigo 106, parágrafo único, da IN RFB 2.055/2021).
Com o deferimento do pedido de habilitação, volta a fluir o prazo prescricional e o contribuinte pode dar início à entrega de declarações de compensação (PER/DComp), em que utilizará o direito creditório judicialmente reconhecido para compensação de tributos junto à Receita Federal.
É neste momento que surge uma relevante controvérsia entre Fisco e contribuintes.
Para a Receita, todo o crédito deve ser necessariamente utilizado dentro do prazo máximo de cinco anos. Caso isso não seja possível (por exemplo, se contribuinte não possuir débitos suficientes para consumir todo o crédito), o saldo remanescente não mais poderá ser utilizado (Solução de Consulta Cosit 382/2014).
Os contribuintes, por sua vez, defendem que têm cinco anos somente para dar início à utilização do saldo credor, mediante transmissão da primeira PER/DComp, mas o saldo remanescente do crédito pode ser aproveitado mesmo após esse prazo, até o seu esgotamento.
Tradicionalmente, a jurisprudência de ambas as Turmas do STJ era favorável aos contribuintes, mas a situação foi alterada com a recente decisão da 2ª Turma no REsp 2.178.201/RJ.
De acordo com o ministro relator Francisco Falcão, “todas as PER/DCOMP precisam necessariamente ser transmitidas no prazo de 5 anos”, cabendo ao contribuinte avaliar a “forma pela qual submeterá a questão de direito à análise do Poder Judiciário, estando ciente de todas as limitações envolvidas quanto à recuperação do crédito”.
O principal motivo para essa guinada jurisprudencial, conforme constou da decisão, foi que a 1ª Turma do STJ agora também estaria adotando entendimento favorável ao Fisco – citando, a título de exemplo, o acórdão no REsp 1.729.860/SC.
Porém, na realidade, o precedente da 1ª Turma aplicou a mesma jurisprudência pacífica que vigorava até então, favorável aos contribuintes. O que houve foi uma situação concreta diferente.
No caso citado (REsp 1.729.860/SC), o contribuinte interpretou que o pedido de habilitação do crédito seria uma causa de “interrupção” do prazo prescricional, e não de “suspensão”.
Por isso, entendeu que o prazo de cinco anos teria reiniciado após o deferimento da habilitação, em vez de continuar a contagem do prazo, considerando o período já decorrido entre o trânsito em julgado e o protocolo do pedido de habilitação.
Inclusive, no REsp 1.729.860/SC, a 1ª Turma do STJ deixa isso claro ao fazer um histórico das datas: “(a) 28/4/2006 – trânsito em julgado da decisão que reconheceu o direito; (b) 20/4/2011 – pedido de habilitação (4 anos, 11 meses e 20 dias após o trânsito em julgado); (c) 24/5/2011 – despacho favorável do fisco; (d) 30/5/2011 – ciência da parte contribuinte; (e) 20/5/2016 – tentativa rejeitada de transmissão da declaração eletrônica de compensação”.
Ao final, a 1ª Turma registrou que a PER/DComp foi transmitida após o prazo de cinco anos, “quando somados os períodos que antecederam (28/4/2006 a 24/4/2011) e sucederam (30/5/2011 a 20/5/2016) tal pedido de habilitação”.
Guinada exige atenção dos contribuintes
De fato, a resolução final foi desfavorável ao contribuinte, mas não por uma mudança jurisprudencial da 1ª Turma, e sim por abordar uma situação concreta diversa.
Ainda que pautada em premissa equivocada, a 2ª Turma efetivamente mudou sua jurisprudência, prejudicando a segurança jurídica e a efetividade de decisões judiciais transitadas em julgado. Tal situação, desde já, exige atenção dos contribuintes quanto aos riscos de não utilizarem a totalidade do saldo credor dentro do prazo de cinco anos.
Espera-se, contudo, que tal interpretação seja revista quando o debate for levado à 1ª Seção do STJ, responsável pela uniformização de entendimentos da 1ª e 2ª Turmas, em possíveis embargos de divergência ou eventual recurso repetitivo.