A banca brasileira ganha o mundo

A banca brasileira ganha o mundo

Na cola da presença crescente das empresas nacionais no exterior, os escritórios de advocacia também se internacionalizam

Dos 16 aos 26 anos de idade, o advogado André Almeida levou uma existência nômade. Filho de um executivo que correu o mundo como prestador de serviços, Almeida morou em países tão distintos quanto Polônia, Chile, Grécia e Estados Unidos. A década em que passou na estrada lhe trouxe a convicção de que para vencer no mundo dos negócios não se pode temer barreiras nem distâncias. Hoje, aos 49 anos, à frente de uma respeitada banca que conta com quase uma centena de advogados em São Paulo, Almeida prepara-se para abrir sua primeira representação em Nova York, nos Estados Unidos, e para transformar sua Almeida – Direito Corporativo em “Almeida – Corporate Law”

“O escritório tem uma vocação internacional muito forte. Está no nosso DNA”, diz. “Como mais da metade de nossos clientes é composta de estrangeiros e as empresas brasileiras têm comprado e litigado cada vez mais no exterior, já temos muito trabalho nos Estados Unidos, o que justifica a abertura de um escritório por lá.” A filial americana terá como pauta principal tocar fusões, aquisições e processos de arbitragem envolvendo companhias e investidores brasileiros.

Embora este movimento ainda seja modesto entre os escritórios de advocacia brasileiros, a decisão de ter instalações físicas em outros países acompanha a acelerada internacionalização da economia brasileira, que vem se dando em duas mãos: organizações estrangeiras se instalam aqui ou compram e se associam com empreendimentos nacionais de olho no nosso mercado interno, enquanto empresas brasileiras vêm procurando cada vez mais oportunidades no resto do mundo.

Para se ter uma ideia da intensidade desse movimento, apenas em fevereiro foram registradas três grandes aquisições internacionais envolvendo empresas brasileiras, segundo a consultoria PwC. Uma delas, a venda da Drogaria Onofre, por 600 milhões de reais, foi a primeira aquisição fora de seu país de origem para a americana CVS, grupo que possui 7.500 unidades nos Estados Unidos. Outra foi a compra da peruana Comercial Matusita pela Tigre, produtora de tubos de PVC, que pretende investir 32 milhões de dólares no negócio. A terceira transação envolveu empresas que têm sede no Brasil, mas terá repercussões no exterior. Trata-se da aquisição, pela Abril Educação, da rede de idiomas Wise Up, que tem escolas nos EUA, na Colômbia, no México, na Argentina e na China, por 877 milhões de reais.

Negócios internacionais dessa magnitude exigem, além de longas reuniões nas quais se discutem preço e condições de pagamento, que se costurem cláusulas contratuais capazes de atender às exigências legais de cada país envolvido. Nesse momento, ter um escritório de advocacia com desenvoltura para atuar no exterior tem importância estratégica e a garantia de que o negócio será fechado a contento.

As bancas brasileiras que foram pioneiras em oferecer esses serviços já começam a colher os primeiros frutos dessa expansão. Um exemplo é o Mattos Filho, que conta com 303 advogados. O escritório chegou a Nova York pouco tempo antes da crise econômica de 2008. A decisão de inaugurar sua primeira filial fora do país foi inspirada pela explosão no número de ofertas iniciais de ações, IPOs, lançadas por empresas brasileiras. O cenário era promissor e, em 2007, foi registrado o recorde de 64 dessas operações.

Os sinais de que a crise estava chegando não desanimaram o escritório. “Naquela época, julgamos que estava surgindo um novo perfil de investidor interessado por ativos brasileiros, caso dos fundos de private equity e, por isso, passou a existir a necessidade de atender melhor a comunidade financeira que participava das operações”, afirma Daniel Calhman de Miranda, sócio do Mattos Filho nos EUA. “Enquanto muitos escritórios pensavam se deveriam ir para os Estados Unidos, nós nos perguntávamos por que ainda não estávamos por lá. E fomos”, completa. Mesmo diante da conjuntura econômica desafiadora que se instalou, o número de empresas brasileiras presentes nos Estados Unidos formava uma massa crítica de possíveis negócios para os escritórios de advocacia que não podia ser negligenciada. No caso do Mattos Filho, instituições financeiras e investidores das mais diversas modalidades, que compunham a clientela da banca no Brasil, já estavam instaladas ali.

“Bancos como Itaú, Bradesco e BTG, além dos estatais Banco do Brasil e Caixa, têm presença em Nova York e frequentemente demandam trabalhos e consultoria jurídica”, comenta o advogado. Na vizinhança do escritório em Manhattan estão fundos e investidores à procura de boas oportunidades, como a Tarpon, Pátria, Vinci Partners e os brasileiros da 3G, que recentemente protagonizaram, em conjunto com o megain vestidor americano Warren Buffet, a compra da Heinz, fabricante norte americana de alimentos.

Com uma demanda grande de trabalho, a filial americana do Mattos Filho registra fluxo de caixa positivo desde o primeiro ano de atividade. Pelo lado das despesas, operar no principal mercado jurídico do mundo também se mostra vantajoso. Os gastos para manter sua atual estrutura três advogados, sendo dois sócios e um associado e o aluguel de um conjunto de salas, localizado na parte leste de Manhattan, representam menos de 1% dos custos operacionais totais do escritório.

Como o movimento é crescente, a banca já se prepara para se expandir. Em maio, dobrará os 180 metros quadrados que ocupa atualmente. “O preço do aluguel é similar ao da Avenida Faria Lima, no bairro dos Jardins, em São Paulo. Precisamos de mais espaço físico, pois o escritório de Nova York tem se consolidado como porta de entrada dos investimentos brasileiros no mundo todo”, afirma Miranda.

A expansão física das instalações do escritório parece ser proporcional ao crescimento do volume de negócios que vêm passando pela filial de Nova York, e que já somam centenas de milhões de dólares. Um dos mais recentes foi a aquisição, pela Natura, de 65% das ações do grupo australiano Emeis Holdings, fabricante de cosméticos e produtos de beleza premium, que são comercializados na Austrália, Ásia, Europa e América do Norte sob a marca Aesop. A transação, iniciada em dezembro último e programada para ser concluída no fim deste abril, terá o valor de 71,6 milhões de dólares.

Animado com os bons resultados do escritório em Nova York e constatando na ponta do lápis que um escritório com uma estrutura enxuta pode ser bastante rentável no mercado externo, o Mattos Filho já começa a planejar a instalação de uma nova filial em Londres, um hub de importância crescente para negócios brasileiros na Europa.

Mesmo bancas brasileiras que mantinham representantes em Nova York há um tempo relativamente longo começam, agora, a se adaptar às novas possibilidades abertas pelo afluxo de empresas brasileiras ao exterior. Fundado em 1948, o escritório Demarest & Almeida, com cerca de 250 advogados, é um deles. Estabelecido há 19 anos naquela cidade, o escritório está introduzindo mudanças para garantir uma presença mais agressiva no mercado americano.

Para acertar o passo com os novos tempos, o Demarest & Almeida enviou, há seis meses, Adriana Daiuto, sócia com 15 anos de casa, aos Estados Unidos. Sua primeira missão será a de reconhecer o terreno, mas logo o escritório pretende assumir uma postura mais vigorosa e atrair para cá empresas e investidores que estejam planejando se instalar ou ampliar sua presença no Brasil.

“Estamos na fase de recuperar conexões e estabelecer novos contatos”, explica Adriana Daiuto. “No momento, meu papel tem sido muito mais institucional: ir a palestras, eventos, conversar com escritórios locais e apresentar o trabalho do escritório.” A advogada acredita que a proximidade física com os clientes em potencial dá resultados. “Há pouco tempo, um cliente que atendia no Brasil me convidou para um almoço de negócios, uma proximidade que nunca havíamos tido antes. Esse tipo de encontro é fundamental para gerar maior proximidade, confiança e oportunidades de trabalho.”

A importância de Nova York no mundo dos negócios dispensa maiores explicações. Mas como o mundo está cheio de oportunidades, há bancas que escolhem se instalar em outras cidades, como fez o escritório Choaib, Paiva e Justo Advogados, há cinco anos com um escritório em Miami. A cidade, também, é um poderoso hubde negócios, especialmente para empreendimentos com capital latino-americano. O escritório firmou parceria com a banca local Magno & Associates e, desde então, vem se especializando em atender brasileiros que buscam imóveis na cidade, um negócio que representa 40% de toda a movimentação do escritório. Os brasileiros formam hoje, atrás apenas dos canadenses, a nacionalidade que mais imóveis compra em Miami.

O papel do advogado em operações desse tipo é, além de orientar e atender às exigências jurídicas locais, prestar consultoria tributária. Adquirir imóveis na região pode ter entusiasmado investidores graças à combinação entre a valorização do real e a forte queda no preço dos imóveis americanos pós-crise, mas tem lá suas armadilhas. O imposto de sucessão e abertura de inventário, por exemplo, que no Brasil é de cerca de 4%, pode superar os 40% nos Estados Unidos.

Mas os brasileiros que procuraram o Choaib, Paiva e Justo Advogados não estão interessados apenas em uma casa de veraneio na cidade. “Temos recebido muitas consultas de empresas brasileiras de serviços, como tecnologia da informação, engenharia e construção civil, que querem montar suas operações por aqui, e há, também, gente do setor de etanol chegando”, afirma Erick Magno, advogado americano do escritório.

As empresas brasileiras já fazem parte da paisagem da cidade. A Construtora Odebrecht, por exemplo, foi a responsável pela ampliação do aeroporto internacional e construção de um ramal do metrô na cidade. Em fevereiro, a construtora anunciou acordo com as autoridades locais para novas obras no aeroporto, que agora incluirão um hotel quatro estrelas, zona comercial, restaurantes, estacionamentos e escritórios. O projeto tem o valor de 512 milhões de dólares.

Já instalado nos Estados Unidos há uma década, e com escritórios em Nova York, Washington, Düsseldorf e Xangai, o Felsberg e Associados especializou-se em resolução de litígios empresariais. “Atuar no mercado jurídico americano, no qual os grandes escritórios somam milhares de advogados, requer do estrangeiro uma especialização muito bem definida”, diz Thomas Felsberg, advogado que comanda a banca. “Nosso sócio de Washington, por exemplo, é especialista em disputas de investimentos em países inóspitos. Se tiver um problema em Burundi, pode nos chamar”, diverte-se Thomas Felsberg.

Destino preferencial dos escritórios de advocacia brasileiros que desejam se globalizar, o mercado americano não é o seu alvo exclusivo. Até mesmo a China, já há algum tempo um cobiçado destino para as empresas brasileiras, mas considerada inalcançável para as bancas advocatícias, já recebe alguns escritórios do país, além do Felsberg e Associados.

“Na época em que resolvi abrir uma filial na China, ouvi de um amigo embaixador que minha excentricidade tinha chegado às raias da loucura”, diverte-se Durval de Noronha, fundador, em 1978, do Noronha Advogados, do qual é presidente. Segundo afirma, o escritório foi uma das primeiras bancas latinas a receber permissão do governo chinês para se instalar, em 2001, em Xangai e, posteriormente, Pequim. E Noronha também garante que não há, entre as bancas brasileiras, alguma que seja tão internacionalizada como a sua. A empresa também tem escritórios na Argentina, nos Estados Unidos, em Portugal, na África do Sul,na Índia e no Reino Unido.

Se há 12 anos o enorme peso econômico da China ainda não era inteiramente percebido no Brasil, mesmo assim, segundo Durval de Noronha, não havia nada de loucura em tentar se instalar no país. “Como havíamos trabalhado para entidades governamentais chinesas durante o processo de negociação da entrada do país na OMC, sabíamos que havia uma enorme transformação econômica em curso e que surgiriam muitas oportunidades de negócio para um escritório de advocacia brasileiro.”

Atualmente, 12 advogados do Noronha trabalham na China. Apenas um é brasileiro. E a presença dos advogados chineses também vem aumentando nos escritórios da empresa em Londres e São Paulo. “Como principal parceiro comercial do Brasil, a China gera um volume grande de trabalho para nossos escritórios no mundo todo. O de Belo Horizonte, por exemplo, é muito acionado, pelo interesse dos chineses em mineração.”

Há quem defenda que estar na China é, hoje, tão ou mais relevante do que ter um escritório nos Estados Unidos. “Os chineses têm uma dinâmica de negócios muito particular”, afirma Heloísa Di Cunto, sócia do Duarte Garcia, Caselli Guimarães e Terra Advogados, em Pequim desde 2003. “Eles valorizam a simbologia e o olho no olho. Quando se movem na sua direção, vão até seu país e querem que você faça o mesmo. A vinda de nosso escritório seguiu essa lógica da reciprocidade”, afirma. Observando a evolução dos negócios com os parceiros chineses já há uma década, Heloísa Di Cunto registra uma mudança nas necessidades das bancas internacionalizadas: “Hoje, eu não preciso estar nos Estados Unidos para fazer negócios, mas preciso estar na China”.

Pela facilidade do idioma, e também porque os países emergentes de língua portuguesa, como Angola e Moçambique, vêm atraindo atenção de investidores de todo o mundo, outro movimento que vem sendo feito pelas bancas é o de procurar se instalar nos demais países de língua portuguesa. O Diamantino Advogados está finalizando os termos de uma parceria para atuar em Portugal e prepara-se para desembarcar no continente africano. Enquanto esses negócios não são sacramentados, a banca chega a Macau, ex-colônia portuguesa, hoje região especial administrativa chinesa. “É uma forma de estar mais próximo da China”, diz Eduardo Diamantino, fundador do escritório. Tais movimentos são carregados de um forte simbolismo: 513 anos depois da chegada dos portugueses, o Brasil se lança em um mundo de oportunidades fazendo o caminho inverso de seu antigo desbravador.

NO ESTERIOR, SEM SAIR DA ESCRIVANINHA

A INTERNACIONAZAÇÃO dos escritórios de advocacia não se dá, obrigatoriamente, com a transferência de parte de seus empregados para um país no exterior. Essas operações podem ser dispendiosas e só se justificarem caso haja um grande volume de trabalho. Há, também, a possibilidade de dois escritórios se associarem para representar, mutuamente, os interesses de seus clientes nos países em que atuam. Uma terceira forma é montar desks dedicados a atender clientes de um país específico nos seus escritórios. São grupos de advogados que podem ser integrados por profissionais nativos e dos países representados, que passarão a orientar bancas ou empresas desses países diante da legislação da nação em que estão instalados.

É o que faz o Tozzini Freire Advogados, que conta com grupos criados para atender japoneses, chineses e coreanos. Escritório com cerca de 400 advogados, foi responsável por assessorar os investimentos das coreanas Kia, Hyundai e Samsung; de bancos chineses no Brasil e representou a japonesa Kirin na aquisição da Schincariol, em 2011.

“Acreditamos que os desks são a melhor maneira de participar de operações internacionais. O modelo foi criado para atender bem os clientes estrangeiros de dentro para fora, mas também nos permite levar empresas brasileiras para o exterior”, afirma José Luis Freire, sócio fundador e presidente do comitê executivo do escritório. O Asian Desk do Tozzini é comandado pela advogada Shin Jae Kim, coreana naturalizada no Brasil.

Investidores asiáticos também têm merecido atenção especial do Demarest & Almeida. A banca mantém seis advogados coreanos em São Paulo, num desk que já atende 50 empresas, além do consulado e da embaixada do país no Brasil. “Desde 2011, essa área vem crescendo entre 15% e 20% ao ano”, afirma Mário Nogueira, sócio que coordena o grupo.No Felsberg & Associados, a instalação dos desks teve como objetivo montar um espaço próprio para receber, no Brasil, investidores de países que historicamente geram maior número de negócios para o escritório. Canadá, França, Espanha, China e Alemanha já tinham desks organizados na banca. A Índia, cujo mercado jurídico é completamente fechado para estrangeiros, acaba de ganhar o seu.

“O desk é uma estratégia de longo prazo, cujo foco é desenvolver um fl uxo constante de negócios e atender, cada vez melhor, os clientes de várias partes do mundo. É uma garantia de que o investidor estrangeiro será atendido por alguém que fala a sua língua com fluência e conhece bem sua cultura”, afirma Thomas Felsberg. “O desk é isso, não é uma escrivaninha, não”, brinca. 

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