A falta de registro de imóvel e o usucapião

A falta de registro de imóvel e o usucapião

Jurisprudência do Supremo Tribunal Federal firmou-se no sentido de que não existe em favor do Estado presunção acerca da titularidade de bens destituídos de registro

Conforme entendimento recente da 4ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, na ausência de registro do imóvel em cartório não pode haver presunção em favor do Estado de que o bem se inclui no rol das terras devolutas, sendo imprescindível ao ente público provar a propriedade.

A decisão exarada pelo Tribunal da Cidadania é proveniente de uma ação de usucapião extraordinária proposta perante a Vara Única da Comarca de Taipu, estado do Rio Grande do Norte, na qual o autor sustenta que adquiriu o imóvel de uma pessoa que, por sua vez, comprara de outra em 1977, e que a posse do imóvel preenche os requisitos para a procedência da prescrição aquisitiva.

Foram solicitadas informações pelo magistrado de primeiro grau ao Cartório de Registro de Imóveis, o qual respondeu afirmando não existir registro do terreno. Diante da referida informação, o estado do Rio Grande do Norte requereu a rejeição do pleito inicial, sob o fundamento de que se tratava de terra devoluta, não passível de sofrer os efeitos da prescrição aquisitiva.

Pois bem, antes de tecermos qualquer comentário a respeito do tema, é necessário fazer algumas considerações sobre o que seriam terras públicas e terras devolutas.

Escorando nos ensinamentos de Pontes de Miranda (Tratado de Direito Privado, p.439), podemos conceituar terras devolutas como sendo “as terras devolvidas ao Estado (União, Estado-membro, Distrito Federal, território ou município), se não estão ainda ocupadas, ou se estão na posse de particulares”, ou ainda, “devoluta é a terra que, devolvida ao Estado, esse não exerce sobre ela o direito de propriedade, ou pela destinação ao uso comum, ou especial, ou pelo conferimento de poder de uso ou posse a alguém”.

Vale enfatizar que terras devolutas, para o Decreto-lei nº 9.760, como para a Lei nº 601, são terras públicas a que não foi dada destinação de uso público (uso comum do povo, uso especial) ou particular, embora, por sua história, sejam públicas por devolução. Ainda mencionando as lições de Pontes de Miranda, aduz o saudoso doutrinador: “As terras que nunca foram da União, do Estado-membro, ou do município, nem dos particulares, são terras sem dono, terras res nullius, terras adéspotas. Podem ser objeto de posse, no sentido privatístico, ou em via de ser usucapidas. (…) Se alguém as possui ad interdicta ou ad usucapionem e o Estado afirma que são terras devolutas no sentido do Decreto-lei nº 9.760, tem o Estado o ônus da prova. É o Estado quem afirma a publicidade das terras, o que não se presume, porque seria presumir-se a titularidade”.

Voltando ao caso em debate, o magistrado primeiro julgou procedente o pedido, acatando a tese da prescrição aquisitiva e demonstrando ser improcedente a tese do Estado de que a ausência de registro demonstra que aquele bem é público por se tratar de terra devoluta. Inconformado com a decisão, o Estado manejou recurso próprio ao Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte, o qual manteve a decisão de primeira instância, argumentando que a ausência de transcrição no ofício imobiliário não induz presunção de que o imóvel se inclui no rol de terras devolutas, cabendo ao Estado a prova da propriedade.

Levando a análise da questão ao órgão de superposição, o Estado alegou ofensa ao artigo 333, inciso 1º, do Código de Processo Civil – que trata especificamente do ônus da prova –, sob o fundamento de que cabe ao autor provar que se trata de propriedade particular.

Todavia, o Superior Tribunal de Justiça manteve a decisão, esclarecendo que a tese mantida pelo Estado está superada há muito tempo e que tanto a jurisprudência do próprio órgão quanto do Supremo Tribunal Federal firmou-se no sentido de que não existe em favor do Estado presunção acerca da titularidade de bens destituídos de registro.

Observou, ainda, que o Estado, como qualquer outra pessoa — física ou jurídica —, pode tomar posse das terras que não pertencem a ninguém e sobre as quais ninguém tem poder, colacionando os seguintes julgados: REsp 964223 e REsp 674558.

Finalizou esclarecendo que o terreno localizado em faixa de fronteira, por si só, não é considerado de domínio público, conforme decisão abaixo colacionada, senão vejamos:

Ementa: recurso especial. Usucapião. Faixa de fronteira. Possibilidade. Ausência de registro acerca da propriedade do imóvel. Inexistência de presunção em favor do estado de que a terra é pública.

1. O terreno localizado em faixa de fronteira, por si só, não é considerado de domínio público, consoante entendimento pacífico da Corte Superior.

2. Não havendo registro de propriedade do imóvel, inexiste, em favor do Estado, presunção iuris tantum de que sejam terras devolutas, cabendo a este provar a titularidade pública do bem. Caso contrário, o terreno pode ser usucapido.

3. Recurso especial não conhecido.

Concluindo o debate alhures, o posicionamento atual do STJ é que inexistindo presunção de propriedade em favor do Estado, e não se desincumbindo este do ônus probatório que lhe cabe, não há que se falar em pedido juridicamente impossível, devendo ser reconhecida a tese da aquisição originária da terra por usucapião.

* Advogado do escritório Diamantino Advogados Associados.

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