Entrevista – Especialista em Direito Agrário

Entrevista – Especialista em Direito Agrário

Apaixonado por morangos e flores, o advogado Diamantino Silva Filho mantém em sua chácara canteiros do fruto, um orquidário e um jardim inspirado no livro de Burle Marx. O local se tornou seu refúgio dos dias cansativos de trabalho. Aprendeu com a mãe, Maria Santos Silva, a agradecer a Deus por tudo em sua vida, até mesmo as dificuldades, e com o pai, Diamantino Silva, o valor do trabalho.

Um dos maiores especialistas em Direito Agrário do Brasil, Diamantino é filho de imigrantes portugueses que começaram a vida na labuta da roça. Foi vendendo morangos durante a infância que Diamantino recebeu o conhecimento humano mais marcante de sua vida, que o ajudou a prosperar na carreira que viria a escolher quando adulto: a de advogado. Foi professor da Faculdade de Direito da Uniube por 10 anos e há mais de quatro décadas se dedica a resolver questões pertinentes ao pequeno, médio e grande agronegócio brasileiro. Atualmente se aventura, aos 68 anos, em novo empreendimento imobiliário na cidade: a construção do Residencial Diamantino pela Cyrela Landscape Uberaba.

Casado com Vitória Doroti Bonfim Silva, Diamantino criou os filhos Eduardo, Frederico e Guilherme, que seguiram o Direito por admiração ao pai. Na entrevista de hoje, o Jornal da Manhã apresenta sua história, aproveitando para saber sobre questões como o novo Código Florestal e reforma agrária.

Jornal da Manhã – Quem é Diamantino Silva Filho?

Diamantino Silva Filho – É um menino que nasceu em casa de pau-a-pique, nas terras de um senhor espanhol e que, desde pequeno, teve a felicidade, em não sendo o primeiro filho, de o pai colocar o nome dele em mim. Essa foi a primeira vitória que tive, me chamar Diamantino. O nome para mim era importante, pois tinha verdadeira adoração por meu pai. Se ele coloca o nome no meu irmão mais velho, tenho a impressão que eu teria tido a primeira frustração. Nasci e fui acolhido só pela mãe. Enquanto meu pai atravessava o córrego para buscar a parteira no dia 10 de dezembro, no meio de uma enchente, minha mãe já havia dado à luz sozinha e já havia desenrolado o cordão umbilical do meu pescoço. Em madrugada chuvosa que passava pelas gretas da casa de pau-a-pique, aí começa minha vida.

JM – Que sonhos o senhor realizou e o que ainda pretende realizar?

DSF – Sempre gostei muito do que fiz. Adorava ir com meu pai e minha mãe para os canteiros de verduras e entre os que eu mais gostava estava o de morango. Sempre tive cuidado especial por esse produto e quando cresci, já com cinco ou seis anos, vinha com meu pai ao mercado trazer duas ou três carroças de verduras para vender. Tirava alguns morangos para vender na rua. E vendendo na rua ganhávamos mais do que por atacado. Havia as ruas marcadas onde sempre vendia morango. Era um sucesso. Vim para a escola, com oito anos, porque antes não tínhamos condições, quando meu pai pôde comprar um terreno e construir uma casa na rua Sete de Setembro. Continuei vendendo morangos enquanto estudava no Grupo Brasil. A casa onde moro hoje era a casa mais bonita do bairro Estados Unidos, eu vendia morango lá e a senhora que me comprava era mulher de um grande empresário. Mais tarde, pude comprar a casa dessa mesma senhora que recomendou à família que quando morresse, queria que a vendessem para mim. Esta é outra realização pessoal.

JM – O senhor atuou com política estudantil…

DSF – Na política estudantil, quando me propus a ingressar nela, tive sucesso, fui eleito presidente da União Estudantil Uberabense, depois vice-presidente da União Colegial de Minas Gerais e, então, vice-presidente da União Estadual dos Estudantes de Minas Gerais. Fui político estudantil até a Revolução de 1964, que me mandou para casa e deixei a política estudantil de uma vez por todas. Votei no Serra para presidente da UNE (União Nacional dos Estudantes) no Rio de Janeiro. Depois de deixar a política, fiz Direito e sempre fui muito bom aluno, porque precisava da profissão para ter sucesso na vida. Antes disso, fui professor de Português no Colégio Marista Diocesano e no Colégio Nossa Senhora das Dores. Quando terminei o colegial, fiz curso na Cades (Campanha de Aperfeiçoamento e Difusão do Ensino Secundário), fui aluno de Malba Tahan, do professor Júlio César, que escreveu o livro "O Homem que Calculava", mas que era muito bom em português. Só seria professor para galgar a condição de estudante de Direito, porque queria mesmo era ser advogado. Fui revisor do Correio Católico [que mais tarde se transformou no Jornal da Manhã], e dom Alexandre foi quem muito me ajudou durante a Revolução. A casa do bispo foi meu refúgio durante a perseguição, preferi não ir para o Chile. Quando fui preso e levado ao quartel, quem me salvou foi dom Alexandre.

JM – E quando o Direito Agrário entrou na sua vida profissional, área na qual o senhor foi o primeiro professor de Minas Gerais?

DSF – Na vida profissional, quando fui chamado pelo embaixador Mário Palmério para lecionar em sua faculdade, Mário me disse: “Diamantino, você pode escolher a cadeira que quer ocupar, porque estamos precisando demais de um professor. Escolha e você fará um curso de aperfeiçoamento em São Paulo com contribuição da faculdade”. Estando na biblioteca, caminhávamos diante das estantes, onde havia milhares de livros de Direito Civil, Penal, Trabalhista, e tinha uma estante que tinha só três livros: o Estatuto da Terra, um comentário feito a ele por Sodelli e outro de um procurador do Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária). Brinquei com Mário Palmério: “Quero esta aqui, porque acabo ficando doutor nessa matéria” – era Direito Agrário. Especializei-me e há 43 anos advogo Direito Agrário, e hoje o Ambiental. Temos agora uma atuação no exterior, porque estamos fazendo parceria com escritórios ingleses na Argentina para um ramo do Direito muito pouco usado no Brasil, o preparo de produtos medicinais. Estamos ajudando a regulamentar uma legislação para isso no Congresso Nacional. Para o valor medicinal de uma planta ser usado na Medicina, às vezes, leva 10 anos. Para desenvolver laboratórios é preciso ter leis sérias e estamos adiantados. O governo tem todo interesse em desenvolver essa área, inclusive na Floresta Amazônica, em região já demarcada, como também aqui na Serra da Canastra. Ao invés de brigar no Judiciário, a proposta é elaborar texto-lei que beneficie a sociedade.

JM – Que recordações o senhor guarda com mais carinho?

DSF – Vendia moranguinho aos domingos, como na casa do doutor Humberto Ferreira, pediatra, médico de meus pais e dos meus filhos. Um dia ele me disse que, ao invés de fazer salada, fez geleia com uns morangos amassados e pediu cuidado. Contei a meu pai e no outro domingo, quando voltei, levei outros para pagar aqueles que estavam amassados. Doutor Humberto não quis aceitar, mas eu disse: “Se o senhor me pagar ou me fizer devolver estes morangos, eu não posso chegar em casa, meu pai vai me dar uns petelecos”. Ele riu muito. Marquei isso da minha meninice. Já adulto, quando nasceu meu primeiro filho, telefonei para doutor Humberto fazer os exames no bebê, quando perguntei a ele quanto devia, ele brincou comigo: “Menino que vende morango não tem dinheiro para pagar médico”. Fui professor dos filhos dele, inclusive do que hoje é presidente da Vale. Crescendo, mantive a vocação, ainda tenho o plantio de três canteiros de morango. Adoro flores e possuo um orquidário, meu jardim é cópia do disposto no livro de Burle Marx sobre o Jardim Botânico do Rio de Janeiro. As flores são importantes em minha vida. Quando conheci Vitória, éramos amigos, ela me ajudou a tomar lições de latim e inglês para o vestibular. Sempre muito ligados, marcamos o dia de começarmos a namorar, primeiro de novembro de 1962, foi nessa época que ela ganhou uma orquídea walkeriana. Cuidamos dela e quando compramos a chácara, fui desmembrando-a, hoje existem 40 ou 50 orquídeas que florescem todo dia 6 de maio, dia de seu aniversário. Por trás de um homem bem-sucedido há uma grande mulher.

JM – Além de advogado, o senhor é pecuarista… Como vê os atuais rumos tomados pelo agronegócio brasileiro?

DSF – Vejo com certa apreensão. O Código Florestal é uma briga, porque os próprios governistas votaram contra. Se nós tirarmos muito das áreas florestais com 80% de reserva, com 20% não é possível fazer uma exploração razoável. Ao invés de fazer isso, então por que não permitir que a floresta seja decepada naquilo que tem de maduro. Quando temos uma árvore com frutos, apanhamos os frutos, senão eles apodrecem e caem, e nos anos seguintes os maduros estão podres porque a larva acaba por estragar todas as frutas. Assim também são as árvores maduras e velhas das florestas que absorvem e expelem gás carbônico na mesma proporção, não ajudando em nada a atmosfera com reposição de oxigênio. Tiraríamos essa madeira e deixaríamos as árvores menores crescerem, mas do jeito que está posto no Código isso não é permitido, não importando se essa área terá emissão de gás carbônico maior do que de oxigênio. Política absolutamente errada. Quanto às multas aplicadas, é preciso que haja certa lógica. Por exemplo, quando comprei a primeira área de terras de 40 alqueires, usei do Banco do Brasil um financiamento chamado Pró-Cerrado para tirar todas as árvores rasteiras, hoje, quando chegam a lugares que desmataram através do Pró-Cerrado, financiamento do governo, eles multam. É preciso deixar que, onde for necessária, a recomposição natural do solo se faça ao longo do tempo, com solo e sementes jogadas aos poucos, e não seja replantio. Penso que, da forma como está o Código, será um desastre.

JM – Por que?

DSF – Porque o meio rural brasileiro precisa produzir muito e ninguém tem coragem de investir muito dinheiro em um empreendimento no qual não se sabe se dará retorno fiscal. Produtores de soja estão com medo de abrir novos pastos onde já há autorização. Agora ficou pior, não satisfeito, o governo criou um entrave à venda de terras a estrangeiros. Se o interesse do governo é impedir que amanhã os estrangeiros que comprarem muito aqui não produzam, deixando o Brasil numa estaca ruim de produção, se esqueceram de que a Constituição oferece o instituto da desapropriação, ou seja, quando alguém compra terra e não produz, o governo toma. Com isso, indústrias de madeira estrangeiras, querendo comprar terras aqui, estão se espalhando pela América do Sul. Uruguai está captando empresas para plantio de árvore, ao passo que, no Brasil, grandes áreas que poderiam ser florestas replantadas não estão sendo utilizadas.

JM – Voltando à questão do Código Florestal, para que esse desmatamento sustentável fosse feito corretamente teria que haver uma fiscalização efetiva. Infelizmente, o Brasil não é conhecido por oferecer esse controle sobre o imenso território. Qual seria a solução?

DSF – A primeira coisa que o Brasil precisa fazer é descentralizar o comando. Municipalizar as questões florestais e ambientais. A responsabilidade pela fiscalização no município seria do próprio município, em âmbito maior pelos Estados e por último na Federação. Porque o prefeito, secretários, vereadores e o povo veem o que acontece para então denunciar. Pessoas que procuram projetos de financiamento ou de autorização para desmate travam uma verdadeira guerra que leva três anos, porque o governo não tem, na Federação, pessoas especializadas em número suficiente para aprovar projetos. Eu lhe pergunto: se nós tivéssemos em Uberaba uma fiscalização feita pela Prefeitura, pela Câmara Municipal e a sociedade, qual seria a dificuldade? A Saúde e a Educação estão quase totalmente entregues aos municípios e estão melhores do que do governo, não estão bem ainda, mas em condição melhor do que antes.

JM – O senhor analisou o novo Código pela visão do produtor, mas acredita que ele pode efetivamente trazer benefícios ao meio ambiente, mesmo que em longo prazo?

DSF – Penso que traria benefícios. Tenho ido à Europa e percebo que as encostas dos rios e montanhas estão todas plantadas com videiras, sempre produzindo muito sem causar problemas ambientais. A tecnologia usada é que é importante. O meio ambiente rural e nas cidades é o grande problema, que começa pela poluição dos carros e vai até as encostas das favelas, porque os cortes na terra é que são feitos errados. O que compromete montanhas para termos APP (Áreas de Proteção Permanente) ou mesmo o cultivo da cana não é o plantio, o defeito é a tecnologia usada. Ao invés de proibir, é só usar o mesmo sistema que outros países usam e evitar agrotóxico para termos produtos de alta qualidade e um meio ambiente protegido. O manejo sustentável tem que ser aprovado e fiscalizado pelo Ibama, que não tem dinheiro para pagar os próprios funcionários ou para indenizar.

JM – Mas, ao invés da anistia de multas, a cobrança pelas infrações não poderia ser revertida em verba para fiscalização?

DSF – O desmatamento irregular é crime e quando o governo precisa buscar no ato criminoso renda para pagar suas despesas, ele está incentivando o crime. Ele cria para si uma situação que gera renda. Imagine isso fora do meio ambiente, se o governo precisasse mandar bater em alguém para receber de quem cometeu uma lesão grave em outra pessoa, o dinheiro de multa para colocar polícia na rua… Esse é o primeiro item que digo, fonte de renda deve ser legítima. O dinheiro proveniente do crime para sustentar a preservação de florestas é ruim. A origem é contaminada. O perdão da multa não é o aspecto mais importante, a proposta do novo Código é suspender a multa a fim de dar oportunidade e prazo ao infrator para corrigir seu erro, sob pena de perder a área em favor do governo. São os TAC (Termo de Ajustamento de Conduta) que o promotor Carlos Valera têm feito por aqui. A área que não cumpre sua função social e ambiental pode ser desapropriada, segundo a lei. Essa é a proposta da Sociedade Rural Brasileira, da qual faço parte no departamento jurídico.

JM – E qual a análise sobre reforma agrária hoje?

DSF – Sou amigo de vários diretores do Incra, mas, no que diz respeito à violência no campo, o culpado disso é que o Incra desapropria uma área e não dá nenhuma assistência aos assentados. Resultado, esse povo vende a terra, troca, comercializa drogas e deixam os filhos se prostituírem nos assentamentos. Com isso, o governo toma a terra de alguém que até poderia produzir se tivesse incentivo, não paga indenizações… Para você ter uma ideia de por que o Judiciário brasileiro está entulhado, hoje, 70% dos recursos analisados são interpostos pelo governo, todos esses processos perdidos em primeira estância. E 20% das outras demandas são pessoas contra o governo, por não honrar compromissos.

JM – A reforma agrária não funciona por isso?

DSF – Quando o governo desapropria a terra, mas não paga a indenização e recorre da decisão, com isso não pode registrar a propriedade e dar a escritura ao assentado, que fica sem ter acesso aos financiamentos para colocar luz ou fazer um poço artesiano. Aquelas pessoas ficam em seus barracos sem nenhuma condição de mobilidade e sem documento da propriedade. Muitas realmente são pessoas sem escrúpulos, mas a grande maioria dos futuros assentados é formada por trabalhadores pobres com vontade de trabalhar, sim, que não podem trabalhar porque não têm acesso a crédito. Se eu não tivesse tido acesso a crédito, como teria começado minha vida profissional, como compraria um escritório, uma fazenda e como faria um empreendimento do tamanho que é este com a Cyrela? É importante que o governo tenha o procedimento semelhante ao que todos temos em ações particulares. A grande culpa pelas invasões e violência no campo não é do povo simples, é do governo, que não cumpre o que a lei manda.

JM – Mas era para ser um programa auto-suficiente?

DSF – Sem dúvida, se o financiamento dessas áreas fosse dado em tempo oportuno, não tenha dúvida que a pequena agricultura familiar daria conta de ajudar o país, tanto é assim que a agricultura familiar hoje responde por 30% da produção nacional. É a produção do agricultor que trabalha com dinheiro próprio. Dos assentamentos não vem nada, se viesse, seria uma soma a mais, e não um problema social.


 

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