Muito ainda precisa ser feito pelo produtor rural no Brasil

Muito ainda precisa ser feito pelo produtor rural no Brasil

A alteração realizada pela Lei Nº 14.112/2020 na lei falimentar, com algumas exceções, nada mais fez do que confirmar o entendimento jurisprudencial produzido ao longo dos últimos 15 anos da vigência da Lei nº 11.101 de 2005[1].   A despeito das críticas que tal fato possa resultar, a conversão do entendimento jurisprudencial em lei decerto é benéfica, pois concede mais segurança jurídica ao tutelado.

Nesta esteira, nota-se que o legislador pátrio finalmente deu atenção ao produtor rural por incluir expressamente, ainda que de forma singela, disposições concernentes a esse importante e senão, principal agente econômico brasileiro (§§ 2º e 3º, art. 48; art. 49, § 6º, §7º e §8º, art. 70-A.)

Esse reconhecimento, porém, vem com atraso e com falhas, especialmente porque, diferente do Bankrupcy Code norte-americano na qual a legislação brasileira foi inspirada, o legislador pátrio perdeu a oportunidade de criar um procedimento especial e exclusivo para o produtor o rural como faz a aludida norma estrangeira.  Com efeito, o Bankrupcy Code reserva um capítulo inteiro visando unicamente restruturação da dívida lastreada no agronegócio (Chapter 12).

O agronegócio compreende um dos pilares mais fortes da economia nacional, de forma que sua produção ultrapassou 20% do Produto Interno Bruto (PIB) do Brasil nos últimos anos[2]. Desta feita, considerando a importância do Agronegócio para o Brasil, era de se esperar que o legislador criasse um mecanismo particular e próprio visando simplificar o processo de restruturação e soerguimento das atividades ligadas a esse importante setor.

Para se ter uma ideia, o Chapter 12 do Bankrupcy Code foi criado em 1986 em resposta às más condições econômicas que atormentavam a agricultura americana com intuito de tornar mais acessível a reestruturação do pequeno e médio agricultor, já que o procedimento comum previsto no Chapter 11, além de mais complexo também é mais oneroso.

Dentre os benefícios legais dessa forma simplificada de recuperação judicial, destacou-se na época a previsão do “cramdow” ao credor com garantias reais e fiduciárias. A lei americana discorre que nessa espécie dívida o devedor só é obrigado a pagar tão somente o valor do bem dado em garantia.   Por exemplo, se um devedor deve US$ 20.000 em um empréstimo após o acúmulo de juros e o ativo dado em garantia no valor de mercado é de apenas de US$ 15.000, o devedor só tem a obrigação de pagar tão somente este último.

Entretanto, para propor a recuperação judicial com o fundamento no procedimento previsto no Chapter 12 o farmer precisa, porém, atender aos seguintes requisitos gerais:

  • Mais de 50% da receita bruta, ou seja, o LAJIR deve ser proveniente da atividade agrícola.
  • As dívidas totais da operação agrícola não devem exceder US$ 4.153.150
  • Pelo menos 50 % do total das dívidas deve estar relacionado com a operação agrícola.

Em se tratando de pessoa jurídica, ainda há necessidade de atender os seguintes critérios:

  • Mais da metade das ações/cotas ou patrimônio líquido em circulação na empresa deve pertencer a entidade familiar.
  • A família deve conduzir a operação agrícola.
  • Mais de 80% do valor dos ativos deve estar relacionado à operação agrícola ou pesqueira.
  • Se tratando de sociedade anônima, deve ser de capital fechado.

No mais, o procedimento de assemelha ao da nossa recuperação judicial com algumas peculiaridades.  Há interrupção das ações de cobrança por 180 dias, sendo nomeado o administrador judicial (trustee). O devedor por sua vez tem 60 dias para apresentar o plano de recuperação (repayment plan).  Em regra, a plano deve durar entre 3 e 5 anos e ainda prever o pagamento integral dos priority claims, que são a maioria dos impostos e taxas judiciais.

Apresentado o plano de recuperação, é realizado a “confirmation hearing” na qual o juiz analisa as eventuais objeções dos credores e concede ou não a recuperação judicial.  Se o devedor não cumprir com as obrigações na forma estipulada, o procedimento pode ser convertido em falência (liquidation).

Entretanto, é digno de nota que a lei americana prevê que o acompanhamento mais próximo do administrador judicial das atividades do devedor em recuperação, já que o devedor não pode incorrer em novas dívidas sem consultar previamente o administrador judicial. Isso porque dívidas adicionais podem comprometer a capacidade do devedor de executar o plano de recuperação.  Enfim, cumprido o plano, o devedor recebe a quitação das dívidas ali prevista, não podendo os credores mais iniciar ou continuar qualquer medida judicial ou administrativa acerca dos débitos.

É verdade que a lei americana não traz soluções definitivas e não está isenta de crítica. Porém, há cerca de 34 anos houve o reconhecimento da importância do produtor rural a ponto de criar um procedimento legal visando atender às suas necessidades.

O legislador brasileiro, entretanto, continua obtuso com respeito importância do agronegócio para o Brasil e às necessidades do produtor rural, ao menos na seara do direito recuperacional.

É verdade que o art. 70-A introduzido pela Lei Nº 14.112/2020, na Seção V da Lei nº 11.101/2005, parece criar um mecanismo simplificado para o produtor rural (visto que autoriza a adotar o mesmo procedimento especial previsto no microempresas e as empresas de pequeno porte).

Ainda assim, tal medida não prestigiou de forma suficiente a facilitação do soerguimento das atividades ao produtor rural e o acesso dele ao instituto da recuperação judicial na medida que não considera as peculiaridades e desafios do negócio, não autoriza a repactuação do débito e prevê tão somente a concessão da moratória com o parcelamento do débito em 36 parcelas.

Por isso, ainda que bem-vinda a alteração introduzida pela Lei Nº 14.112/2020, há muito que precisa ser feito na seara do direito recuperacional a favor do produtor rural.

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