Tributação e medo de desvio de recursos freiam doações

Tributação e medo de desvio de recursos freiam doações

Para especialistas, faltam incentivos fiscais para estimular grandes fortunas a destinar mais recursos a projetos no país

Especialistas apontam que o medo do desvio dos recursos e a falta de isenções tributárias desestimulam a ação de doadores no Brasil.

O incêndio que consumiu parte da Catedral de Notre-Dame no último dia 15, em Paris, atraiu, em poucos dias, mais de € 850 milhões —o equivalente a R$3,7 bilhões—em doações para a restauração do monumento histórico. Em sete meses, o Museu Nacional, consumido pelo fogo em setembro último, conseguiu pouco mais de R$ 1 milhão em doações para sua reconstrução. Alarga diferença entre as cifras, avaliam especialistas, tem duas explicações. A primeira é a trava fiscal, já que as doações, em geral, são tributadas no Brasil e não há isenção ou gatilho para estimulara prática. Depois, existe uma desconfiança da parte do doador sobre a destinação adequada dos recursos.

— Na França, é possível garantir até 60% de dedução do valor doado no Imposto de Renda. No Brasil, heranças e doações são tributadas em até 8%. Mas o problema maior está na ausência de incentivos fiscais à doação —explica o advogado

Na França, a família Arnault, do grupo LVMH, dona da Louis Vuitton e da Moet & Chandon, e a própria companhia prometeram € 200 milhões para a Notre-Dame horas após o incêndio. Na sequência, vieram outras.

— A compreensão de que doar é um ato de participação social só agora ganha corpo no Brasil — diz Paula Fabiani, diretora-presidente do Instituto para o Desenvolvimento do Investimento Social (Idis).

FUNDO DO MUSEU NACIONAL

Os donos das grandes fortunas no Brasil doam em média 0,5% de seu patrimônio, continua Paula, citando dados de um levantamento da consultoria McKinsey. Em países como França e Estados Unidos, esse percentual chega a 3%

As doações puxaram também protestos dos coletes amarelos na França, sob o argumento de que há recursos para a catedral, mas faltam para projetos sociais. Parte das empresas já afirmou que vai abrir mão do benefício fiscal.

— O filantropo tem direito a escolher a causa dele. A questão é por que as pessoas que podem doar não estão fazendo mais —defende Paula.

No Brasil, as doações feitas por pessoas físicas estão sujeitas ao Imposto sobre Transmissão Causa-Mortis e Doações, cuja alíquota no Rio varia de 4% a 8%, dependendo do valor da doação.

— A doação não é dedutível do Imposto de Renda. Isso desestimula. Quando um estrangeiro faz doação para alguém no Brasil ou a alguma empresa, valem as regras de seu país de origem — explica Eduardo Diamantino, da Diamantino Advogados Associados.

Nos últimos dias, o Museu Nacional recebeu mais R$ 50 mil em doações, segundo o diretor da instituição, Alexander Kellner. Antes disso, foram recebidos R$ 142 mil de pessoas físicas, R$ 15 mil de uma empresa e R$ 800 mil do governo alemão. Além disso, o Ministério da Educação liberou R$ 16 milhões e o BNDES vai desembolsar outros R$ 21,7 milhões, para recuperação do prédio. Para reabrir o museu, porém, seria preciso levantar US$ 100 milhões, diz Kellner.

A UFRJ é responsável pela gestão do Museu Nacional. Mas, para viabilizar o recebimento de doações e garantir que sejam usadas na reconstrução do museu, elas estão sob a responsabilidade da Associação Amigos do Museu.

— A associação tem autonomia, com gestão eleita e diretoria colegiada, atuando em parceria com o Museu Nacional. Até maio, vamos começar a prestação de contas dos recursos já recebidos e como estão sendo investidos — frisa Kellner, reconhecendo haver a preocupação no Brasil de que o dinheiro doado não chegue a seu destino final.

Em janeiro, o presidente Jair Bolsonaro sancionou a lei que regulamenta os fundos patrimoniais, também chamados de endowments. O mecanismo garante a sustentabilidade financeira de um projeto ou instituição sem fins lucrativos, que pode utilizar o rendimento dos recursos do fundo para bancara operação. É resultado de medida provisória publicada no governo de Michel Temer logo após o incêndio do Museu Nacional.

— Alei criou arcabouço jurídico para garantira o doador o destino correto do recurso. Tratada estrutura e da governança do endowment.  O problema é que não traz mecanismo fiscal que estimule as doações. Apenas acultura conta coma Lei Rouanet. Assim, não é possível dizer se será eficaz em trazer um salto em doações — pondera Ricardo Levisky, da Levisky Legado, especializada em financiamento perene para instituições.

O financiamento do BNDES para o restauro prevê que parte do recurso seja usado para a estruturação de um fundo patrimonial para o Museu Nacional. Isso vai permitir que o museu vá a mercado captar recursos e garanta a manutenção do patrimônio.

REGRA PARA DOAÇÃO DE BENS

O governo federal regulamentou, por decreto, como pessoas e empresas poderão doar bens e serviços a órgãos públicos, em texto que entra em vigor em 12 de agosto. Serão duas opções: quando um órgão público solicita, via chamamento público, ou por manifestação de interesse da pessoa ou empresa disposta a doar. A nova legislação não altera regras fiscais nem trata de doações em dinheiro.

Na elaboração da reforma tributária, cujo foco deve ser a simplificação de impostos, o governo não levantou a possibilidade de criar mais incentivos para doações.

— Apesar de meritória, não há iniciativas nesta direção — diz o secretário especial da Receita Federal, Marcos Cintra.

O foco tem sido o oposto: o de reduzir os chamados gastos tributários, dinheiro que a União deixa de arrecadar por causa de incentivos fiscais. 

(Daiane Costa, Glauce Cavalcanti, Bruno Rosa, Ramona Ordoñez e Marcello Corrêa)

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