Volta do Funrural espalha dúvidas e agita setor produtivo

Volta do Funrural espalha dúvidas e agita setor produtivo

Debate se tornou acirrado após decisão do Supremo que considera constitucional a cobrança do Fundo de Assistência ao Trabalhador Rural

Volta do Funrural espalha dúvidas e agita setor produtivoNo último dia 30 de março, o Supremo Tribunal Federal (STF) voltou a considerar constitucional a cobrança do Fundo de Assistência ao Trabalhador Rural (Funrural). A decisão desagradou o setor patronal, que deve se manifestar na próxima quarta-feira, 3 de maio, em Brasília, durante as discussões da pauta na Câmara dos Deputados.

A contraproposta levada ao presidente Michel Temer pela Frente Parlamentar Agropecuária (FPA), na última quinta-feira, 27, propõe que se extinga o Funrural e se crie uma nova contribuição social para o empregador rural pessoa física. Essa contribuição, segundo o presidente da FPA e deputado do PSDB-MT, Nilson Leitão, seria de 1% sobre a folha de pagamento ou 0,25% sobre o faturamento bruto. Para aqueles com pagamento pendente, ou seja, com a conta do Funrural em débito, a alíquota sobre a folha seria de 1,2% a 1,4% até a quitação da dívida. “Como pela Lei de Responsabilidade Fiscal o governo não pode renunciar a receitas, sugerimos essa compensação”, afirma o deputado. Pela regra atual, a arrecadação do Funrural se dá no momento da venda da produção agropecuária, com alíquota de 2,1% sobre o faturamento bruto correspondente.

Como chegamos até aqui? – De acordo com o advogado, especialista em Direito no agronegócio, Fábio Lamonica, a cobrança do Funrural pôde ser questionada com base em dois aspectos associados à sua fundamentação. O primeiro deles era a questão da bitributação: “Em que o produtor rural pessoa física que contasse com empregados acabava sendo onerado com o recolhimento sobre a receita com a comercialização bruta da produção e com a contribuição sobre a folha de salários”, explica. “Enquanto o produtor pessoa física, sem empregados, contribuiria tão somente com um percentual sobre a sua receita com a comercialização bruta”. Colocadas frente a frente, essas duas situações criavam uma quebra de isonomia, já que o tratamento dado ao dois sujeitos não seria o mesmo perante a lei. O precedente quanto a este ponto foi aberto em 2010, quando o Supremo Tribunal Federal deu decisão favorável a uma ação de inconstitucionalidade movida pelo frigorífico Mataboi no ano de 2002.

Outro ponto de discussão, nas palavras de Lamonica, estava no conflito de definição técnica legal, uma vez que a Constituição Federal falava tão somente em “faturamento” e a Lei da Seguridade Social (datada do ano de 1997) tratava de “receita”. “Então, era necessário que a norma fosse adequada ao texto da Constituição, o que se deu com a edição da Lei n. 10.256, no ano de 2001, que alterou somente uma parte do texto legal, fazendo uma espécie de ‘remendo’”, diz o advogado. Recentemente, por 6 votos a 5, o STF entendeu que essa alteração foi suficiente para tornar a contribuição válida.

E agora? O que fazer? – Diante do cenário que se colocou com a decisão do STF, a dúvida que fica agora é de quem é a responsabilidade pelo pagamento das dívidas do Funrural. Segundo o advogado Eduardo Diamantino, também especializado em Direito no agronegócio, a situação é complexa porque apesar de recair sobre o vendedor da produção agropecuária, o Funrural sempre foi recolhido pelo comprador. “Assim, a responsabilidade acaba sendo de quem entrou com a liminar”, diz. Supondo que um frigorífico tivesse uma liminar contra o pagamento do Funrural, segundo ele, caberia a essa empresa cobrar o valor do produtor e depositá-lo em juízo por precaução. “Isso quer dizer que sobre as empresas amparadas por decisão judicial – responsáveis tributárias que fizeram a retenção do Funrural, mas que não recolheram as contribuições – a decisão do STF não terá efeito imediato. Podendo sim, após a revogação da liminar, no prazo de 30 dias, ser feito o recolhimento voluntário dos débitos”.

Explicado esse caso, existe também o das empresas não amparadas por decisão judicial, responsáveis tributárias que não fizeram a retenção do Funrural, uma vez que o produtor com que negociavam tinha liminar. “Nessa situação, há posicionamento jurisprudencial no sentido de que as contribuições deverão ser exigidas dos produtores rurais”, diz Diamantino. Na prática, como o produtor era quem tinha a liminar e não a indústria frigorífica, por exemplo, a dívida recai sobre ele. “Pode ser até que não se tenha braço para fazer essa cobrança, mas via de regra é isso que deve acontecer”, afirma o advogado.

Para quem não tinha liminar, a situação é um pouco mais complicada. “No caso de empresas não amparadas por decisão judicial, responsáveis tributárias que não fizeram a retenção do Funrural, os débitos dos últimos cinco anos podem ser cobrados. Esse risco é pré-existente e, caso ele venha a se concretizar, virá acompanhado de multa de 75% a 150%”, explica o advogado.

Quanto aos empregadores rurais não amparados por decisão judicial, Diamantino entende que como seus débitos já eram conhecidos do Fisco (uma vez que são declarados na GFIP – Guia de Recolhimento do FGTS – da empresa adquirente), o mais provável é que a cobrança recaia sobre essa empresa, com possibilidade de extensão da exigência, por solidariedade, ao produtor rural. O cenário muda de figura quando os responsáveis tributários fizeram a retenção do Funrural, em função de decisão judicial obtida em ação própria ou coletiva, mas não procederam ao recolhimento: “Nesse caso, o débito será exigido exclusivamente da empresa adquirente, isso porque o produtor rural não foi beneficiado pela medida judicial”, diz Diamantino.

Por fim, para empregadores rurais pessoa física amparados por decisão judicial, cujos responsáveis tributários não fizeram a retenção do Funrural, em razão dessa mesma liminar, o que deve acontecer, segundo Diamantino, é que a Receita terá 30 dias, contados a partir da data de revogação da liminar, para recolher o principal e os juros da dívida (sem multa moratória).

“A despeito da decisão desfavorável do STF, ainda não existe uma definição com relação aos valores que deixaram de ser recolhidos até hoje, mas qualquer cobrança do período passado exige prévio procedimento de fiscalização por parte da Receita Federal, e tal procedimento, no máximo, pode alcançar débitos dos últimos 6 anos”, explica o advogado. Na opinião dele, o produtor rural que tem  liminar e não recolheu o Funrural deve aguardar por uma definição. “Pode ser que ocorra a modulação ou o parcelamento em condições especiais, e pode ser ainda que ele não seja alcançado pela fiscalização”, diz.

Direito dos trabalhadores – Para o secretário de Políticas Sociais da Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (Contag), José Wilson Gonçalves, a questão merece atenção especial das autoridades, uma vez que, segundo ele, a informalidade no campo atinge cerca de 60% dos trabalhadores, que não estariam sendo beneficiados, portanto, por recolhimento atrelado ao registro em carteira assinada.

“O perfil do trabalhador rural é diferente e isso precisa ficar claro para a sociedade. Feito em 2016, um levantamento do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) mostrou que 72% das mulheres e 78% dos homens no campo começam a trabalhar aos 14 anos de idade. Essas pessoas levantam muito cedo, não têm final de semana, feriado, férias, seguro-desemprego ou 13°. E se chove demais, se tem enchente, ficam sem emprego; se há seca também”, afirma.

Para Gonçalves, é dever do governo, das empresas e da sociedade dar a sua contribuição para que os benefícios da seguridade social sejam garantidos a todos os trabalhadores. “No caso dos rurais, hoje o que financia a seguridade social é a contribuição sobre o lucro das empresas, a Cofins [Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social], impostos sobre jogos de casas lotéricas e, quando os recursos não são suficientes, o Tesouro Nacional. Então, é uma situação de corresponsabilidade, de que não dá para a gente se isentar”.   

Fonte: Portal DBO

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