Proposta que prevê melhor gestão nos fundos de pensão está parada no Congresso
Apesar das recorrentes investigações sobre gestão fraudulenta, projeto não avança na Câmara dos Deputados desde julho
Thaís Barcellos
A operação Greenfield, deflagrada nesta segunda-feira, 5, pela Polícia Federal, é mais um capítulo na trajetória de perdas bilionárias dos fundos de pensão das estatais. As fraudes – que chegam a R$ 8 bilhões, segundo a PF – nos quatro maiores fundos de pensão do País, Funcef (da Caixa), Petros (da Petrobrás), Previ (do Banco do Brasil) e Postalis (dos Correios), alvos da operação, já haviam sido expostas em CPI da Câmara dos Deputados. A comissão terminou em abril deste ano com mais de 200 indiciados e a conclusão de desvios na ordem de R$ 3 bilhões dos recursos das aposentadorias dos servidores.
Mas a possível solução para esse problema está travada no Congresso. O projeto de lei complementar que pretende reforçar as regras de governança dos fundos de pensão, nos moldes da Lei das Estatais, está parado na Câmara dos Deputados desde julho, sem previsão de votação, apesar da tramitação em regime de urgência. Assim que assumiu a presidência da Casa, Rodrigo Maia (DEM-RJ) prometeu que o projeto seria votado até a segunda semana de agosto.
A proposta quer impedir a influência política nessas instituições, vista como causa principal das gestões fraudulentas. "As estatais são patrocinadoras desses fundos, então há dinheiro público, mas nunca deveria haver intervenção do governo na administração, como fica claro com os investimentos com fins políticos e não econômicos", afirma Sylvia Urquiza, do Instituto Compliance Brasil.
Uma das medidas do projeto é que o conselho deliberativo inclua, além dos representantes dos patrocinadores (as estatais) e dos participantes (os funcionários), conselheiros independentes, todos na mesma proporção.
Para Ricardo Santos, do Diamantino advogados, esse é um passo à frente, porque os conselheiros independentes vão "qualificar a gestão" dos fundos de pensão, hoje entregues a uma ingerência política. "É um avanço, especialmente porque estabelece a obrigatoriedade de gestão qualificada por profissional independente e impede o acesso de indivíduos com histórico de atividade político partidária à administração dos fundos."
O presidente da Associação Brasileira das Entidades Fechadas de Previdência Complementar (Abrapp), José Ribeiro destacou, em entrevistas anteriores ao Estado, os custos da implantação desses conselheiros, o que poderia colocar em xeque, inclusive, a sobrevivência das entidades pequenas. Ele ainda defende que os problemas de governança nos fundos de pensão são "exceções". A indústria dos fundos de pensão é composta por 307 entidades, segundo a Previc.
Capacitação. A qualificação dos executivos que decidem sobre investimentos também é fundamental, segundo Rubens de Oliveira, do Instituto Brasileiro de Direito e Ética Empresarial (IBDEE), que diz que a "Greenfield é a Lava Jato do setor". Hoje, a lei exige "comprovada experiência" dos membros da diretoria executiva, responsáveis pelas aplicações, nas áreas financeiras, contábeis, jurídicas e administrativa, por exemplo. "Que experiência é essa? Não fica claro", questiona Oliveira.
Ele, no entanto, aponta que o projeto de lei contém avanços nesse sentido, ao exigir formação em nível superior em uma dessas áreas de conhecimento, impedir a participação de pessoas que tenham exercido função político-partidária em um prazo de dois anos e parentes em até terceiro grau de pessoas do fundo de pensão ou da empresa patrocinadora, além de executivos que tenham exercido cargo de livre nomeação ou temporário na empresa patrocinadora. A Petros, por exemplo, é comandada por Walter Mendes, que estava até então no Conselho de Administração da Petrobrás.
Oliveira aponta que essas mudanças são necessárias para fortalecer os controles internos da companhia. "Nesse tipo de modalidade criminosa sempre tem uma pessoa do lado de dentro, como vimos na Lava Jato e na Zelotes, e só se evita essas práticas com normas fortes de compliance."
Fiscalização. O professor da Escola de Direito da FGV, Ary Oswaldo Mattos Filho, critica os órgãos fiscalizadores: "A fiscalização é formal, mas não é eficaz, senão não estaria acontecendo essa operação de hoje. Novas regras não valem de nada se não houver fiscalização e punição, o que certamente não houve nesses últimos 40 anos.", disse ele, afirmando que essas práticas ilícitas são comuns desde a década de 1970.
Santos, do Diamantino, lembra ainda do papel dos Fundos de Investimento em Participações, nos quais os fundos de pensão investem. O investimento na empresa de sondas Sete Brasil foi realizado, por exemplo, por meio do FIP Sondas. Funcef e Petros investiram cerca de R$ 2,8 bilhões nesse fundo. "Em relação à operação Greenfield, nas fraudes envolvendo FIPs, em minha avaliação, a falha pode ser atribuída à fiscalização, pois esse ambiente já é bastante regulamentado pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM)."
Entenda. A operação desta segunda-feira é uma ação conjunta da Comissão de Valores Mobiliários (CVM), do Ministério Público Federal (MPF), da Polícia Federal e da Previc, para apurar crimes de gestão temerária e fraudulenta cometidos contra Funcef, Petros, Previ e Postalis. O trabalho conta com a colaboração do Tribunal de Contas da União (TCU), da Controladoria-Geral da União (CGU) e da Caixa. Em 2015, Petros teve déficit de R$ 22,6 bilhões, a Previ apresentou déficit de R$ 16,1 bilhões; a Funcef, R$ 8,8 bilhões e o Postalis, de R$ 1,2 bilhão.