Decisão sobre precatório gera insegurança jurídica

Decisão sobre precatório gera insegurança jurídica

A cessão de crédito é negócio jurídico muito utilizado no universo dos precatórios. E isso porque falar em precatório é tratar de espera e longas filas. Nesse cenário, ganha importância a cessão, que é mecanismo que permite trocas intertemporais.

Sabe-se que, por ocasião do pagamento, o ente devedor tem a obrigação de fazer a retenção do Imposto de Renda (IRRF). Daí surgiu a controvérsia que foi levada para julgamento no Superior Tribunal de Justiça (STJ) – RMS nº 42.409/RJ -, a respeito de quem é o contribuinte do IRRF. Cedente ou cessionário?

O tema tem relevância porque a alíquota do IRRF pode mudar em razão da categoria de pessoa (física ou jurídica). E mais, se o contribuinte do IRRF for o cedente, somente o valor líquido do imposto é que poderia ser cedido.

Não existe qualquer dispositivo legal que dê suporte à conclusão a que chegou o Superior Tribunal de Justiça

No caso, entendeu a Corte que a pessoa física, a cedente, era o contribuinte do imposto e, portanto, a alíquota deveria ser de 27,5%, e não de 1,5%, como defendia a cessionária, que era pessoa jurídica.

O entendimento da Corte foi o seguinte: o fato gerador do Imposto de Renda é a disponibilidade jurídica ou econômica da renda, o que não se confunde com a financeira. Para o tribunal, a tributação sobre a renda não pressupõe o ingresso efetivo no caixa.

Partindo-se dessa premissa, o STJ afirmou que o critério material da hipótese de incidência tributária (HIT) ocorreu quando do trânsito em julgado da decisão. Logo, o contribuinte do IRRF é o titular do direito naquele momento, não sendo possível a alteração por negócio privado e posterior, como foi o caso da cessão celebrada na hipótese.

A posição, no entanto, merece reflexão. O regime de tributação das pessoas físicas é o de caixa. Assim e partindo-se da premissa de que um precatório levaria dez anos para ser pago, como explicar a possibilidade de o critério material ocorrer dez anos antes da obrigação de pagar?

Duas poderiam ser as respostas. Primeira, admitir que o critério material possa ocorrer num momento diferente do critério temporal da HIT. O raciocínio seria o seguinte: o critério material ocorre, carimba o contribuinte, porém a obrigação só nasce quando do pagamento do precatório, que seria, no caso, o critério temporal da HIT.

Segunda: não haveria separação no tempo entre os critérios material e temporal, mas mera alteração da data de vencimento do tributo. Ou seja, a obrigação nasceu quando do trânsito em julgado, mas o pagamento foi diferido para uma data futura. No entanto, juridicamente, as duas posições não "param em pé".

A primeira não se sustenta porque não existe qualquer dispositivo legal que dê suporte à conclusão a que chegou o STJ. Ademais, o posicionamento rompe a sistemática do Imposto de Renda. Exemplos provam a assertiva. Se no decorrer do tempo a alíquota prevista na legislação for alterada, qual deverá ser aplicada? A vigente na época da ocorrência do critério material ou do critério temporal? Se o contribuinte "carimbado" se enquadrar na hipótese de isenção do IR por doença grave, que inexistia quando da ocorrência do critério material, mas que existe no momento do critério temporal, está isento ou não?

A segunda resposta, tal como a anterior, também padece do vício de inexistência de previsão legal. Além disso, seria necessário fazer um malabarismo para contornar a decadência/prescrição tributária. Ora, seria possível exigir tributo decorrente de fato gerador ocorrido há dez anos sem que houvesse o lançamento e a execução fiscal?

Com o devido respeito, a decisão do STJ foi equivocada. Ela possui duas falhas. Primeira, de fato, a HIT do IR é a disponibilidade jurídica ou econômica da renda. Todavia, quando a legislação determina que as pessoas físicas adotem o regime de caixa, ela está a afirmar que a HIT do IR é a disponibilidade jurídica ou econômica combinada com a financeira. Ou seja, não basta a disponibilidade jurídica, é preciso haver também a financeira, sob pena de o fato ser não tributável.

Segunda falha: não se pode confundir o fato gerador que justifica a tributação daquele que aufere a renda daquele que faz nascer a obrigação de reter o imposto. São duas hipóteses de incidência diferentes e a ocorrência de uma não significa, necessariamente, a ocorrência da outra. E, no caso dos precatórios, a legislação que trata do tema prevê que o imposto será devido quando do pagamento, e não quando do trânsito em julgado da decisão. Ou seja, o regime do IRRF dos precatórios é o de caixa e nada muda se o regime do beneficiário for o da competência.

Espera-se que o tema possa ser reavaliado, pois a manutenção do entendimento provoca dois efeitos indesejáveis. Primeiro, gera insegurança jurídica para centenas ou milhares de cessões de precatórios que foram realizadas pelo valor total do título, e não pelo líquido do imposto. Segundo, a diminuição do valor que pode ser negociado pelo credor do precatório, que já sofre bastante com a fila e com as crescentes taxas de deságio, que, vale sempre protestar, são provocadas principalmente pela incerteza e pelo descaso com que o tema dos precatórios é tratado pelas administrações públicas.

Cláudio Lopes Cardoso Júnior é tributarista do Diamantino Advogados Associados

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