Governo transferiu ônus do setor elétrico para particulares
O setor elétrico brasileiro é campeão de ilegalidades de caráter econômico em tempos de crise no Brasil. No país, funciona mais ou menos assim: ante a eminente bancarrota do Estado, o governo promulga algumas normas de legalidade duvidosa e transfere o ônus do sistema para os consumidores. Ao final, vem a crise seguinte. Evidentemente, quem vai ao Judiciário tem seus direitos preservados, mas é sempre uma parcela pequena da população.
A lista de exemplos é farta, mas para ficar na memória podemos citar ao menos três: o empréstimo compulsório dos anos 70 que seria devolvido pela Eletrobrás e que até hoje tem processos na Justiça; o tarifaço de 1986, quando durante do congelamento de preços a energia subiu quase 20%, e o racionamento de 2002 que obrigou tanta gente a reduzir o consumo de energia em um delicado cenário econômico.
Agora, merece destaque a “lambança” promovida recentemente que alterou sobremaneira a conta de energia elétrica. A história é relativamente simples: em 2012, a presidente Dilma, ao se deparar com o mercado de energia aquecido e em alta, resolveu que iria baratear as tarifas de energia elétrica sem construir uma usina ou modernizar qualquer parte do sistema elétrico nacional. Não previu sequer a sua desoneração tributária. Sabemos que tal feito se assemelha a um milagre, mas por meio de inúmeras artimanhas que pretendiam revogar a lei da oferta e da procura teve início uma nova forma de desestruturação do sistema elétrico brasileiro. Assim, foi editada a MP 579/2012, convertida na Lei 12.783, que rompeu contratos em vigor e mudou as regras do jogo no sistema elétrico. Segundo o plano, a ideia era diminuir a conta em 20% por meio da redução de encargos e do aporte do governo para financiar determinadas políticas.
A esse mal estruturado plano soma-se a estiagem que assolou o Brasil nos últimos anos e obrigou o acionamento das termoelétricas sob pena de colapso. O resultado é que o plano naufragou e o aumento só não foi sentido no biênio 13/14 porque estava custeado com empréstimos feitos e camuflados no orçamento da União.
Acontece que, com a descoberta do déficit público, o governo resolveu “ transferir” a conta para o encargo denominado Conta de Desenvolvimento Energético (CDE) e com isso obrigar os contribuintes a suportá-lo. Ou seja, a partir do ano passado, as despesas de capital e correntes que deveriam ser custeadas por recursos do orçamento anual estão sendo embutidas nas tarifas dos consumidores , que o recebem cobrado na conta, especificamente dentro da taxa de uso do sistema de transmissão e taxa de uso do sistema de distribuição, sejam eles cativos ou livres.
Para tanto, a CDE foi alterada por normas infralegais, dentre outras, simples resoluções da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), como por exemplo a Resolução Homologatória 1.857/2015. Nessa norma, vale destacar as seguintes e indevidas inclusões: 1) Os custos com a realização de obras no sistema de distribuição de energia em função das Olimpíadas; 2) Os custos relacionados a neutralização da exposição das distribuidoras decorrentes da alocação de cotas e não adesão à prorrogação de concessões de geração de energia elétrica; 3) Despesas não comprovadas, denominadas “restos a pagar”; e 4) Custo ao atendimento dos sistemas elétricos de Manaus, Macapá e reembolso do carvão mineral da UTE Presidente Médici. Transferiu-se o ônus para o particular.
Diante disso, chegou-se ao absurdo atual. Um erro de política tarifária elevou sobremaneira a conta de energia elétrica e o governo, embora obrigado a arcar com encargo, não o fez. Como dito, transferiu o ônus ao particular que teve um aumento em suas contas superior a 30%.
Atualmente, se tem notícia de duas antecipações de tutela deferidas para desobrigar os contribuintes ao pagamento da parte da Conta do Desenvolvimento Energético (CDE) que se entende ilegal. A situação se agravará porque a parte do CDE não paga por quem tiver liminar será rateada pelos consumidores que não entraram com a medida, ou seja, tende a subir mais ainda. Restará sempre as portas do Judiciário. No setor elétrico, a história vem se repetindo. Como diria Machado de Assis: " Ao cabo, só há verdades velhas caiadas de novo".
Eduardo Diamantino é advogado e sócio do escritório Diamantino Advogados Associados, e vice-presidente da Academia Brasileira de Direito Tributário
Revista Consultor Jurídico, 23 de março de 2016, 6h46