Repatriação de capital: anistia penal com finalidade arrecadatória?
O ano de 2015 foi no mínimo “peculiar”: empresários presos preventivamente, senadores encarcerados, recessão absurdamente alta, a perda do grau de investimento e uma dança das cadeiras na ideologia entre o que era oposição e governo – ou melhor, direita e esquerda.
Fruto dessa “dança das cadeiras”, temos o PLC 186 /2015 que trata da repatriação de capitais ao Brasil. Essa lei, em determinado prazo, permitirá a legalização, mediante pagamento de impostos, de bens mantidos no exterior que não se encontravam declarados às autoridades brasileiras. O projeto não é novo. Inédito é ver a bancada do Partido dos Trabalhadores defendendo a ideia da anistia e os senadores de “direita” se colocando contrários a mesma, como, por exemplo, as emendas apresentadas pelo senador Ronaldo Caiado.
A medida vem impulsionada por dois fatores distintos. O primeiro é a necessidade de transparência mundial, determinada nos moldes da OCDE e dos seus boletins de troca de informação, no Tratado de troca de informações Brasil x EUA e na adesão do nosso país ao FACTA. Sigilo fiscal é direito que se exauriu e não encontrará guarida em nenhum sistema jurídico relativamente desenvolvido no Ocidente. Essa mudança de paradigma deixou inúmeros brasileiros com um grande problema na mão. Como regularizar as quantias remetidas nos anos 80 e início dos anos 90, como simples poupança econômica? Alguém se lembra dos sucessivos planos econômicos e dos sequestros oficias de moeda do Brasil? Durante algum tempo não se tinha sequer cartão de credito em moeda estrangeira.
Evidentemente, quis a lei excluir do âmbito de sua incidência políticos ou contraventores profissionais que operam câmbio de maneira ilegal e atividades congêneres, mas nisso ela não vai bem e não é clara.
O segundo é fruto da necessidade de se cobrir o déficit fiscal que assola o país. Assim, depois de privatizar o que era possível e promover inúmeras anistias internas (Refis, Refis Reabertura, Refis da Copa, Refis dos prejuízos, Prorelit), chegou a hora de uma anistia penal com finalidades arrecadatórias.
Em um primeiro momento e ante as perspectivas internacionais de amplo acesso a informações, parece ser óbvia a adesão. Mas, na lei, preocupa a possibilidade de investigação pelo Ministério Público as pessoas que aderirem a lei desde que existam outros elementos. Mas que investigação? Não se trata de anistia? O objetivo final não é possibilitar a legalização de recursos com segurança? Parece que será pífia a adesão se o contribuinte, depois de admitir recursos não declarados e fizer seu pagamento, sofrer ainda investigação criminal.
Mas não é só isso. Como ficam os outros tributos relacionados a atividade do “anistiado”? Poderia se instaurar processos para eventuais crimes de sonegação de ICMS, ISS ou outros tributos? Seja como for, sancionada a lei, teremos muita discussão em 2016. Podem apostar que a sua regulamentação, a ser editada pela Receita Federal em 30 dias após sua publicação, virá eivada de vícios e irregularidades ao ponto de torná-la inócua. Aderir ou não deverá ser fruto de muita reflexão. Resta aguardar.
Eduardo Diamantino, sócio do escritório Diamantino Advogados Associados em São Paulo e vice-presidente da Academia Brasileira de Direito Tributário – ABDT