Guerra Fiscal tem um novo integrante

Guerra Fiscal tem um novo integrante

Em agosto, o Supremo Tribunal Federal (STF), nos autos do RE nº 835.818/PR, reconheceu a repercussão geral sobre a controvérsia acerca da constitucionalidade da inclusão de créditos presumidos do ICMS na base de cálculo do PIS/Cofins

Os benefícios fiscais de ICMS podem ser divididos em duas grandes categorias. A dos constitucionais e a dos inconstitucionais. A segunda categoria é integrada principalmente pelos benefícios concedidos sem a aprovação do Confaz e que compõem o enredo da famigerada guerra fiscal.

Atualmente, é difícil achar uma unidade da federação que tenha resistido à tentação de conceder um benefício inconstitucional para um setor ou contribuinte específico. Já ouvi de um representante da administração tributária que os Estados, cada um a sua maneira, fizeram a reforma tributária interna via benefícios inconstitucionais.

A guerra fiscal passa a contar com a União. Parece que todos querem um pedaço do benefício 'inconstitucional'

A prática, por seu turno, revela que os Estados utilizam vários mecanismos para conceder os benefícios fiscais. Eles podem ser conferidos mediante redução de alíquota ou base de cálculo, crédito presumido sobre aquisição de insumos não tributados ou o que podemos chamar aqui de "crédito presumido na saída". O último mecanismo é o que vem sendo mais usado, por dois motivos. Primeiro, porque ele proporciona maior previsibilidade, ao empresário e ao próprio Estado, a respeito da carga tributária efetiva. Segundo, porque ele, em geral, não precisa estar revelado na nota fiscal, o que dificulta a identificação e glosa por parte de outras Unidades da Federação.

O sistema de "crédito presumido na saída", basicamente, consiste no seguinte: a unidade da federação garante um crédito presumido de forma que a carga tributária efetiva seja equivalente a um percentual estipulado. Ou seja, num primeiro momento, não se sabe exatamente qual será o valor do benefício, que dependerá do volume do faturamento e também dos créditos ordinários de ICMS de cada contribuinte. Em termos simples, o valor do benefício será do tamanho necessário para que, no fim do período determinado, a carga tributária seja de X%.

Esse é o cenário. A controvérsia, por seu turno, consiste em se saber se esse crédito presumido compõe a base de cálculo do PIS/Cofins. Pois bem. Ordinariamente, os tributos não cumulativos são redutores do estoque. Reduzem o valor do custo das mercadorias adquiridas. Em geral, a mecânica contábil é idêntica mesmo quando estamos diante de créditos presumidos decorrentes de alguma aquisição desonerada, como, por exemplo, o crédito presumido de PIS/Cofins sobre certos produtos agropecuários comercializados por pessoas físicas. Nos dois casos, não há trânsito de qualquer valor pelas contas de resultado da entidade e nunca ninguém, nem mesmo a Receita Federal, falou em PIS/Cofins.

A situação muda um pouco quando o valor do crédito é determinado, não pela entrada de alguma mercadoria, mas pela saída. Nesse caso, duas soluções contábeis são geralmente utilizadas. Primeira, o contribuinte escritura o débito de ICMS a pagar pelo valor líquido (já considerando o crédito presumido), e não pelo valor revelado na nota fiscal. Segunda, o contribuinte escritura o ICMS a pagar pelo valor revelado na nota fiscal e, no fim do período, reconhece uma "receita" equivalente a diferença entre o valor constante do passivo na conta de ICMS a pagar e o valor que a legislação do estado determina que seja, de fato, recolhido para os cofres públicos.

Nesse contexto, importa esclarecer que, para fins de resultado, de lucro, inexiste diferença entre o crédito presumido na entrada e o conferido na saída. A diferença é o mecanismo contábil que geralmente é utilizado. No primeiro caso, o custo é reduzido. No segundo, o custo não é reduzido, mas a "receita" acaba sendo maior. Num, o efeito no resultado é indireto. Noutro, direto.

A descrição deste cenário e das técnicas contábeis que são geralmente utilizadas é importante, por duas razões. Primeira, porque a legislação determina que a incidência do PIS/Cofins sobre a receita (sem aspas) independe da denominação ou classificação contábil adotada pelo contribuinte. Ou seja, o mecanismo contábil não tem o condão de transformar em tributável algo que, na essência, não o é. O inverso também é verdadeiro. Segunda, porque, no RE, a Fazenda Nacional parece sustentar a tese, e desconhecer o teor da legislação, de que tudo que é "receita", para fins contábeis, é base de cálculo do PIS/Cofins, salvo as exceções expressamente previstas em lei.

Essa conclusão pode ser extraída do comentário da Fazenda Nacional a respeito do julgamento de segunda instância: "Ao decidir, a despeito da inexistência de previsão legal, pela possibilidade de exclusão da base de cálculo do PIS e da Cofins de valores decorrentes de crédito presumido de ICMS, a turma acabou por criar uma outra hipótese de exclusão de rubricas da base de cálculo, sem qualquer previsão legal, dando nova feição à base de cálculo prevista pelo artigo 195, I, "b", da CF."

Nesse contexto, é preciso fazer alguns questionamentos. Um crédito presumido outorgado por um Estado ou pela própria União, em razão de uma entrada desonerada é diferente, para fins de incidência do PIS/Cofins, do crédito presumido na saída? Estamos diante de opção que só faz diferença em sede de política fiscal? Se a diferença reside somente no campo da política fiscal, é coerente conferir tratamento diverso para as duas situações?

A expectativa é que todos os questionamentos possam ser considerados e respondidos pelo STF quando do julgamento. Enquanto isso não ocorre, a guerra fiscal passa a contar com um novo lado e integrante: a União. No fim, parece que todos (Estados, contribuintes e União) querem um pedaço do benefício "inconstitucional".

Cláudio Lopes Cardoso Júnior tributarista do Diamantino Advogados Associados

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