Súmula 418 deve ser aplicada com restrição
A Súmula 418, do Superior Tribunal de Justiça (STJ), surgiu para ajudar no bom andamento dos processos no Poder Judiciário brasileiro. Com o objetivo de impedir a subida de recursos especiais prematuros, assim entendidos aqueles que não tivessem esgotado as instâncias ordinárias, foi editada a referida súmula pela Corte. A súmula prevê: "É inadmissível o recurso especial interposto antes da publicação do acórdão dos embargos de declaração, sem posterior ratificação".
Assim, vale lembrar que não é admitido o recurso especial interposto antes da decisão dos embargos de declaração opostos se não ratificado seus termos, sob pena de ser considerado extemporâneo. Isso porque o acórdão dos embargos é integrativo do julgamento do recurso que lhe deu origem.
A aplicabilidade de tal súmula seria razoável somente em hipóteses nas quais os embargos declaratórios opostos fossem providos e efetivamente incorresse em modificação da decisão atacada. Neste caso, é importante ressaltar que não haveria que se falar somente em ratificação, mas eventualmente em verdadeiro aditamento complementando o recurso interposto com o ponto sobre o qual decisão anterior teria sido omissa, contraditória ou obscura.
A súmula do STJ vem sendo aplicada sem a devida parcimônia pelos tribunais e tem sido utilizada fora dos limites apontados
Porém, a Súmula 418 do STJ vem sendo aplicada sem a devida parcimônia pelos tribunais do Brasil. Ela tem sido utilizada fora dos limites apontados, como observado em diversas ocasiões. Isso mesmo em casos nos quais a decisão dos embargos de declaração não teve seu efeito modificativo, inalterando a decisão, e, portanto, nesse caso, desprovida de caráter integrativo.
E ainda: nas instâncias extraordinárias, muitas vezes tem sua aplicação estendida para sustentar a inadmissibilidade de outras espécies recursais sobre o mesmo argumento. Nesses casos de ampliação da aplicabilidade da Súmula 418, fica obviamente evidente a violação de princípios gerais do direito, tais como o acesso à Justiça, razoabilidade e até mesmo ao princípio da instrumentalidade do processo. A instrumentalidade do processo significa dizer que ele não é um fim em si mesmo, mas tão somente uma ferramenta adotada para a tutela/alcance de direitos. Nesse sentido, é fundamental afirmar que se revela temerária a súmula do STJ, ao permitir que uma formalidade, não prescrita em lei, criada para impedir a chegada de recursos tidos como "imaturos" à apreciação do tribunal competente impeça o direito das partes de ver a lide solucionada.
Como se não bastasse à inversão de valores perpetrada com a aplicação da Súmula 418 em instâncias recursais extraordinárias, tem se espalhado por grande parte dos tribunais de Justiça do país a tese de aplicação analógica para inadmitir até mesmo recursos de apelação sob o mesmo argumento.
Tal aplicação por analogia se revela ainda mais absurda diante do contexto. O motivo é simples: em sede de recursos de natureza extraordinária realmente entende-se que deve haver maior cuidado na interposição destes, por sua própria natureza de excepcionalidade, porém, utilizar-se de tal argumento visando barrar a apreciação de recurso de apelação é o cúmulo da inversão de valores do direito.
É preciso ressaltar que inadimitir recurso de apelação, sob o argumento de aplicação análoga da Súmula 418, além de todas as alegações já aduzidas, vai na contramão do duplo grau de jurisdição.
O recurso de apelação, por sua própria natureza processual, deve ser mais acessível, haja vista sua abrangência em trazer novamente a apreciação do Poder Judiciário fatos e provas além de questões de direito. Neste momento, é importante lembrar que existe a oportunidade de os fatos serem novamente apreciados. Desta vez, por um colegiado e assim garantir-se a correta aplicação do direito.
Desta forma, é preciso fazer um esclarecimento. Não há como defender a aplicabilidade da Súmula 418, do STJ, senão nos estritos casos onde sua redação e uma interpretação extremamente racional o permitirem. Deve ser afastada dos demais casos, sob pena de perpetração da violação de princípios fundamentais integrantes da ordem jurídica.
Lívia Bíscaro Carvalhoé especialista em direito civil do Diamantino Advogados Associados e André Scarani Baena, assistente jurídico do mesmo escritório.