Produtor por dentro de seus direitos

Produtor por dentro de seus direitos

Entre as muitas definições que causam calafrios ao produtor, certamente a chamada “insegurança jurídica” é uma das que provocam mais estremecimentos. Quem nunca amargou prejuízo — por vezes fatal ao negócio — em razão de uma situação que parecia tranquila e nítida, mas que aos olhos da legislação, ou mesmo de um juiz, na verdade se tornou danosa. Muitas são as questões nebulosas, imprecisas — até ambíguas — que, se o produtor (ou seu advogado) estiver bem informado, poderá se sair vitorioso. Pois defender direitos de produtores é a vida profissional há décadas do advogado mineiro Diamantino Silva Filho, 71.anos. Presidente da Comissão de Direito Agrário da OAB/MG, vice presidente do Comitê Jurídico da Sociedade Rural Brasileira e ex-professor de Direito Agrário em Uberaba/MG, Diamantino se prepara para lançar um livro de memórias sobre a sua vivência no mundo do direito agrário. A seguir, ele aborda alguns dos temas mais nevrálgicos do momento.

A Granja — Numa desapropriação de terras, como deve se dar a indenização ao proprietário, a forma do cálculo e o valor da desapropriação?

Diamantino Silva Filho  — A indenização se dá em Títulos da Dívida Agrária (TODA). O resgate desses títulos é previsto de 2 à 20 anos, podendo ser reduzido de 2 a 5 anos nos casos em haja acordo entre o desapropriante e o desapropriado. Se houver benfeitorias nas terras desapropriadas, serão indenizadas em dinheiro. A forma do cálculo estão contidas nas Instruções Normativas do Incra. O valor da desapropriação é apurado por laudo pericial do Incra, que deve considerar qualidade do solo, existência de benfeitorias, etc.  O desapropriado pode contestar o laudo elaborado pelo Incra e apresentar o seu próprio. Se o juiz não ficar convencido de nenhum dos laudos, determinará que um perito de sua confiança elabore um laudo judicial, que costumeiramente ele adota como o do valor da indenização.

A Granja — E como deve ser o levantamento dos valores depositados?

Silva Filho—O valor da indenização deverá ser depositado pelo expropriante à ordem do juízo, em dinheiro, para as benfeitorias úteis e necessárias, inclusive culturas e pastagens artificiais e, em Títulos da Dívida Agrária, para a terra nua – nos termos do artigo 14, da Lei Complementar 76/93. De acordo com o § 2º, do artigo 33, do Decreto Lei 3.365/41, “o desapropriado, ainda que discorde do preço oferecido, do arbitrado ou do fixado pela sentença, poderá levantar até 80% do depósito feito para o fim previsto neste e no art. 15, observado o processo estabelecido no art. 34”. O levantamento dos valores depositados é deferido pelo juízo mediante prova de propriedade, de quitação de dívidas fiscais que recaiam sobre o bem desapropriado e publicações de editais, com o prazo de 10 dias, para conhecimento de terceiros. Em caso de dúvida sobre o domínio, o preço ficará depositado em juízo até que as partes provem suas alegações.

A Granja — Quais são as impossibilidades jurídicas de desapropriar?

Silva Filho—  As impossibilidades jurídicas de desapropriar estão no artigo 185 da Constituição. São elas: ser a propriedade rural pequena e média, desde que seu proprietário não possua outra, e ser produtiva. Nos termos do § 6º, do artigo 2º, da Lei 8.629/93, há a impossibilidade jurídica de desapropriar o imóvel de domínio público ou particular objeto de esbulho possessório ou invasão motivada por conflito agrário ou fundiário de caráter coletivo.

A Granja — Sobre o Imposto Territorial Rural (ITR), como deve ser a forma correta de cálculo, as possibilidades de aumento ou redução deste imposto?

Silva Filho— O ITR instrumento de política fundiária. No passado, chegou-se a falar em uma reforma agrária pelo tributo, que tem suas alíquotas progressivas e fixadas de forma a desestimular a manutenção de propriedades improdutivas. A alíquota varia de acordo com o grau de utilização do imóvel e seu tamanho. A menor é de 0,03%, mas pode chegar a 20%. Já a base de cálculo leva em conta o valor da terra nua, bem como a área aproveitável do imóvel, que exclui as áreas de preservação permanente, reserva legal, reserva de patrimônio natural e áreas construídas essenciais ao processo produtivo. Para haver a redução do imposto, deve-se, primeiramente, fazer bom uso da terra. A propriedade rural deve exercer sua função social, que consiste no exercício e desenvolvimento da atividade agropecuária. Desta forma, ocorrerá a redução da alíquota.

A Granja — Na aquisição de terras por estrangeiros, quais são os limites e/ou vedação, visto a legislação?

Silva Filho— O Parecer AGU LA nº 1/2010 extinguiu os pareceres anteriores e retomou o texto da lei nº 5709/1971, restabelecendo as restrições a aquisições de terras por estrangeiros, em especial empresas com maioria de capital estrangeiro, apesar da aprovação da Emenda à Constituição mediante a PEC nº 6/1995, que extinguiu a distinção entre empresas de capital nacional e empresas de capital estrangeiro ao revogar o art. 171 da Constituição. A partir do parecer de 2010, as empresas com maioria de capital estrangeiro estão limitadas à aquisição de áreas rurais com no máximo 100 Módulos de Exploração Indefinida (MEI) por município, conforme tabela do site do Incra que fornece os valores do MEI por município. Grandes projetos de vários setores agroindustriais com maioria de capital estrangeiro, como o da cana de açúcar integrada a usinas de álcool ou açúcar, e como o das florestas plantadas integradas à produção de celulose, de painéis de madeira, e da siderurgia a carvão vegetal, foram interrompidos abruptamente, atingindo um montante que ultrapassa R$ 100 bilhões de investimentos não feitos no país. Várias áreas já negociadas e até adquiridas anteriormente à publicação do Parecer (23 de agosto de 2010) por empresas com maioria de capital estrangeiro, todavia ainda sem o registro em cartório, não mais puderam obter a matrícula nos cartórios de registro de imóveis. A recente Portaria Interministerial (AGU e MDA) nº 04/2014, publicada em 27 de fevereiro de 2014, reconheceu a necessidade de um regime de transição que contemple essas situações anteriores à publicação do Parecer, e a partir daí permitir a tramitação dos processos de regularização dessas áreas junto ao Incra e demais órgãos de governo. No entanto, permanecem as restrições a compras de novas áreas por empresas com maioria de capital estrangeiro, impedindo o desenvolvimento de novos projetos agroindustriais de interesse de diversas regiões e do país. A Portaria indica o caminho a ser seguido pelos empresários do setor. Sem dúvida, tudo ficou mais fácil.

A Granja — Quais são as regras no caso das terras de fronteira?

Silva Filho— A faixa de fronteira tem um conceito histórico que revela a preocupação do país. Teve início no segundo império. Era estipulada em 10 léguas, algo equivalente a 66 km. Depois, foi sendo paulatinamente ampliada. Passou para 100 km e atualmente tem a largura de 150 km, ao longo dos 15.719 km da fronteira brasileira. Abrange 11 unidades de Federação, 588 municípios e mais de 10 milhões de habitantes.

A regra maior sobre terra de fronteira é a contida no § 2º, do artigo 20, da Constituição, que estabelece que afaixa de até 150 km de largura, ao longo das fronteiras terrestres, designada como faixa de fronteira, é considerada fundamental para defesa do território nacional, e sua ocupação e utilização serão reguladas em lei. Ocorre que a lei deu regulamentação simples a esse dispositivo quando considerou pertencer à União as terras da referida faixa. Esta tomada de posição não levou em conta a questão da utilização para defesa do território nacional, mas apenas a questão do domino dessas terras que foram atribuídas à União. Com uma extensão tão grande, merece ser levada em consideração para o fim de produtividade e rendimento para a União. No entanto, não há texto nem disposição legal que as trate desta forma, não há risco de segurança nacional nas áreas de fronteira e não há nada que justifique o entendimento dado a tais áreas.  A questão mais grave é a decorrente de desapropriação feita pela União de terras de fronteira alienadas a particulares pelos governos estaduais. A União não se manifestou por anos com relação a tais alienações. Aceitou tal fato como legal ante a forte aparência da legalidade do ato alienatório a ponto de gerar no espírito governamental a vontade de desapropriar. Posteriormente, pleiteia a nulidade do ato expropriatório que não pode prevalecer, em nome da segurança jurídica, da boa-fé e da confiança legítima.

A Granja — A polêmica do momento em alguns Estados são as terras indígenas. Qual a sua interpretação do que está acontecendo e como o produtor pode se precaver para não ser lesado?

Silva Filho— A forma como é feita a demarcação de terras indígenas tem gerado insegurança jurídica. Consta do Decreto 1.775/1996 que a competência para demarcação de terras indígenas cabe à Funai, à Presidência da República e ao Ministério da Justiça. Não é necessário o processo legislativo, que garante o tratamento isonômico as partes. Todavia, para resguardar os direitos dos índios e também o dos agricultores, foi formada uma comissão especial para analisar novamente as propostas da PEC 215/00, que pretende tirar a competência do Poder Executivo para decidir sobre a demarcação e transferi-la ao Legislativo. Está em estudo, ainda, a aprovação do Projeto de Lei Complementar 227/2012, para regulamentar o artigo 231, § 6º, da Constituição. O projeto inclui no rol de bens de relevante interesse público as terras ocupadas pelos índios, bem como prevê a indenização daqueles que ocupam essas terras de boa-fé, em caso de demarcação. Por isso, eclodiram as diversas manifestações contra os ruralistas. Da mesma forma que os silvícolas precisam das terras para sobreviver, os agricultores também tiram dela o seu sustento e de sua família, além de contribuírem para a economia. Não podem os índios invadir fazendas, matar agricultores e atear fogo, causando prejuízos econômicos, sob a justificativa de terem sido no passado injustamente privados de suas terras.  Os agricultores que querem uma maior proteção e segurança, para evitar lesões, devem buscar uma eficiente assessoria jurídica para garantir a posse de suas terras adquiridas de boa-fé ou para assegurar uma indenização justa em caso de demarcação.

A Granja — Nesta situação das terras indígenas, as entidades classistas (CNA, federações estaduais, sindicatos) estão agindo de maneira correta? O que mais poderiam fazer?

Silva Filho— Sim, estão atuando na defesa dos agricultores e da economia, haja vista ser um grande avanço a proposta de criação de leis que garantam os direitos dos donos de terras, sem lesar a cultura indígena. As entidades devem orientar melhor os produtores para que busquem apoio jurídico para não serem lesados em tentativas demarcações ilegais ou invasões em suas terras. E ainda: disponibilizar advogados àqueles sem condições financeiras para custear uma assessoria jurídica.

A Granja — Quais são as possibilidades jurídicas de acordos nas questões judiciais envolvendo terras e desapropriações?

Silva Filho— A Instrução Normativa do Incra n° 34/2006 estabelece critérios e procedimentos para acordo judicial e extrajudicial nas ações de obtenção de terras para fins de reforma agrária. A transação ou acordo judicial previsto na referida Instrução Normativa somente ocorrerá após ser constatado que: (a) existem recursos orçamentários e financeiros disponíveis; (b) a transação ou o acordo judicial não implique obstáculo ao cumprimento das metas de obtenção de terras; (c) não existe questionamento administrativo ou judicial de valor superestimado para pagamento da indenização, salvo quando equacionado; e (d) não se questione a autenticidade e legalidade do título de domínio nas esferas judicial ou administrativa. Ademais, somente será feito quando atender aos princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência, bem como traduzir racionalidade no emprego dos recursos públicos, dentro de critérios técnicos para minimizar os custos de obtenção de terras rurais, agilizar a transferência de domínio e atender a razões de oportunidade e conveniência administrativas.

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