BREVES CONSIDERAÇÕES SOBRE O PROGRAMA ESPECIAL DE PARCELAMENTO DO ESTADO DE SÃO PAULO

BREVES CONSIDERAÇÕES SOBRE O PROGRAMA ESPECIAL DE PARCELAMENTO DO ESTADO DE SÃO PAULO

O Governo Paulista editou o Decreto nº 58.811 (publicado em 28.12.2012), que institui o Programa Especial de Parcelamento – PEP do ICMS no Estado de São Paulo. Referido programa era esperado desde setembro de 2012, quando o Estado de São Paulo recebeu autorização do Conselho Nacional de Política Fazendária (CONFAZ), para a concessão do benefício.

A criação de programas de recuperação fiscal, ou parcelamentos especiais, como se costuma falar, é algo que se torna cada vez mais frequente no dia-dia dos contribuintes e Fisco. No âmbito federal, por exemplo, podemos citar pelos menos quatro programas de recuperação fiscal criados na década passada (Refis, PAEX, PAES e Refis da Crise).

Há aqueles que criticam a instituição dos parcelamentos especiais, com o argumento de que a medida estimula a inadimplência, eis que o contribuinte pode, na certeza da criação de futuro programa com facilidade para pagamento, simplesmente optar por postergar o pagamento dos tributos.

De outro lado, não faltam aqueles que elogiam a medida, em razão da sua conveniência e necessidade. É que o cotidiano tributário brasileiro pode ser comparado a um campo minado; são leis e atos infralegais expedidos numa velocidade sobre-humana. Além disso, a qualidade dos textos legais ainda deixa a desejar, muito em razão da falta de estudo e cuidado daqueles que possuem competência legislativa. Não raras vezes, as estruturas legais são desenhadas para atender às necessidades da arrecadação, sem qualquer preocupação com as garantias dos contribuintes. Soma-se a tudo isso o fato de que a pacificação da jurisprudência (que não cansa de dar reviravoltas) ocorre somente após a manifestação dos Tribunais Superiores a respeito, que acontece inevitavelmente somente depois de longos anos de criação da lei. O período da criação da lei à uniformização da interpretação é marcado por insegurança jurídica.

Pelo exposto, verifica-se que a criação de programa de recuperação fiscal se mostra necessária, por dois motivos que se completam. Primeiro, o parcelamento especial promove e otimiza a recuperação dos créditos pela Fazenda. Segundo, possibilita que as empresas sobrevivam às instabilidades do sistema tributário.

Com o devido respeito daqueles que pensam de modo diverso, concordamos com o posicionamento daqueles que elogiam a criação de parcelamentos especiais. A obscuridade dos textos legais e suas ininterruptas e sucessivas alterações, bem como a oscilação na jurisprudência revelam um ambiente em que até os mais “Samaritanos” dos contribuintes correm riscos de sofrer com tributação não esperada e não planejada, ou como se costuma chamar: a perigosa tributação surpresa. São essas as razões que, a nosso ver, legitimam a criação de programas de recuperação fiscal, pois se é certo que é importante receber o tributo, também não é menos certo que mais importante é manter o contribuinte com condições de gerar mais tributo e mais condições de pagá-lo[1].

De toda a sorte, quer se critique, quer se elogie, o fato é que o PEP de São Paulo é uma realidade.

Com efeito, passamos a fazer alguns comentários sobre o PEP.

Poderão ser incluídos no PEP débitos decorrentes de fatos geradores ocorridos até 31 de julho de 2012, com pagamento que poderá ser realizado em até 120 parcelas. A diminuição das multas moratória e punitiva será de 50% e, para os juros de mora, de 40%. Caso o contribuinte opte por efetuar o pagamento em parcela única, o desconto será maior: 75% (multas); e 60% (juros).

Deveremos obsevar qual será o critério adotado pela Administração Tributária para realizar as reduções. Fazemos esse registro porque, em outros parcelamentos, houve discussão na parte que toca a redução dos juros de mora incidentes sobre a multa punitiva.

Um exemplo ajudará no entendimento. Imagine que determinado contribuinte tenha um débito de ICMS no valor de R$ 400.000,00, que representa a soma dos seguintes elementos:

  

Imposto

R$ 100.000,00

Juros de mora

R$ 100.000,00

Multa Punitiva

R$ 100.000,00

Juros de mora sobre a multa

R$ 100.000,00

Total do débito de ICMS:

R$ 400.000,00

 

Imaginemos que a opção seja pelo pagamento em parcela única. Na hipótese, a redução da multa será de 75% e a dos juros, de 60%. A discussão é: o percentual para redução dos juros de mora sobre a multa deverá incidir sobre o valor original da punição (R$ 100.000,00) ou sobre o valor da multa já reduzido (R$ 25.000,00). As tabelas comparativas revelam a diferença:

                                               

Quadro nº1

Critério mais favorável

 

Quadro nº2

Critério adotado pela Administração Tributária no parcelamento da Lei nº 11.941/2009

Imposto

R$ 100.000,00

 

Imposto

R$ 100.000,00

Juros de mora

R$ 40.000,00

 

Juros de mora

R$ 40.000,00

Multa Punitiva

R$ 25.000,00

 

Multa Punitiva

R$ 25.000,00

Juros de mora sobre a multa

R$ 15.000,00

 

Juros de mora sobre a multa

R$ 40.000,00

Total do débito:

R$ 180.000,00

 

Total do débito:

R$ 205.000,00

 

O Tribunal de Justiça de São Paulo já decidiu que o critério correto é o do quadro nº1. O argumento, que a nosso ver é irrespondível, é que os juros de mora possuem natureza acessória, de modo que deve seguir a sorte do principal. Não há como se imaginar que os juros sejam calculados sobre um valor que foi reduzido pela lei que instituiu o parcelamento.

Outro ponto do Decreto institui o PEP que merece ser destacada é a previsão constante do inciso I do artigo 8º, que prescreve que “A concessão dos benefícios previstos neste decreto não dispensa, na hipótese de débitos ajuizados, a efetivação de garantia integral da execução fiscal”.

De acordo com a redação do referido dispositivo legal, aparentemente, a inclusão de débito já objeto de execução fiscal, não impede que nesta sejam praticados atos de constrição.

Nesse contexto, é preciso fazer a distinção dos casos em que a penhora já está formalizada quando da inclusão do débito no parcelamento, daqueles casos que inexiste a penhora, embora o débito já seja objeto execução judicial.

Os Tribunais têm entendido que, na primeira hipótese, a despeito de o parcelamento do débito implicar a suspensão da execução, ele não possui o condão de desconstituir a garantia já formalizada, ou seja, o bem (ou direito) constrito permanecerá atrelado ao parcelamento. Todavia, como visto, o parcelamento suspende a execução, de modo que não há como se admitir que a penhora ocorra após a inclusão do débito no parcelamento, daí nossa desconfiança com relação à redação do Decreto Paulista.

Esperamos que a Procuradoria da Fazenda do Estado São Paulo faça análise sistemática, de modo a apontar a correta inteligência do dispositivo mencionado. Aqui, lembramos: toda execução judicial pressupõe título que represente crédito certo, líquido e exigível (CPC – artigo 586). O parcelamento, por sua vez, é causa suspensiva da exigibilidade do crédito tributário (CTN – artigo 151, inciso VI), o que significa dizer que o título perde, pelos menos temporariamente, a exigibilidade. Atos de constrição realizados em razão de título executivo que não represente obrigação certa, líquida e exigível são nulos (CPC – artigo 618).

Fizemos as considerações a respeito de dois pontos do Decreto Paulista, mas outros poderão gerar situações de conflito; e, aqui, chegamos a mais um ponto sobre o qual queremos chamar a atenção: um dos objetivos dos parcelamentos especiais é reduzir o número de disputas judiciais envolvendo a legitimidade/legalidade de débitos tributários, todavia, a história recente testemunhou que também os parcelamentos geram uma série de outras discussões judiciais envolvendo os direitos e deveres decorrentes da adesão ao programa de recuperação fiscal. Certos da parcialidade inerente à profissional de advogado, acreditamos que a maior parte dos conflitos decorre de abusos e confusões praticados pela Administração Tributária.

Em suma, o parcelamento especial de débitos fiscais é, sim, um benefício fiscal, todavia, isso não significa dizer que a Administração Tributária pode ultrapassar os contornos da lei instituidora, criando condições ao arrepio desta. E mais: é necessário que a interpretação da lei instituidora seja realizada de forma sistemática e norteada pelos princípios de direito tributário.


[1]A expressão consta de voto condutor, lavrado pelo Eminente Desembargador Luciano Tolentino Amaral, no julgamento do Agravo Inominado no Agravo de Instrumento nº 2003.01.00028186-0. (TRF1 – 7ª Turma, v.u., DJ 14.05.2004).

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