Justiça barra planos de recuperação e traz embate

Justiça barra planos de recuperação e traz embate

Chamada de Capa 

As recentes decisões da Justiça que anulam planos de recuperação judicial e entendem que assembleias de credores não são soberanas para decidir de que forma serão quitadas as dívidas das empresas têm gerado discussões no meio jurídico. Para advogados, tais interpretações devem se tornar ainda mais comuns em razão da forma abusiva como a Lei 11.101/2005 tem sido utilizada pelas empresas devedoras. Mas, para especialistas, é preciso levar em conta a manutenção da empresa.

"O interesse social envolvido na preservação da empresa deve ser o foco de atenção do aplicador da lei e dos operadores do direito", afirma o advogado Écio Perin Júnior, do Viseu Advogados. Ele diz que as decisões trazem questões como se o tribunal, ao interferir na configuração do plano sem que o recorrente o tenha requerido, faz com que o julgamento tenha algum vício, e se o Judiciário pode examinar o conteúdo do plano.

A advogada Lívia Carvalho, do Diamantino Advogados Associados, afirma que o cenário atual é de diversos planos aprovados com nulidades e vícios que prejudicam credores em benefício dos interesses da empresa em recuperação e de seus sócios.

As decisões, portanto, trazem benefícios ao aplicar a lei de forma adequada. "Ela não merece ser um instrumento de anistia ampla de dívidas e garantias conforme interesses dos devedores sem respaldo", diz a especialista.

O precedente para essa interpretação foi aberto na Justiça paulista, que no início do ano anulou o plano da Cerâmica Gyotoku. O Superior Tribunal de Justiça, em caso relatado pela ministra Nancy Andrighi, já afirmou que a aprovação de plano por assembleia de credores tem total autonomia, mas não pode ultrapassar condições legais.

 

Legislação

Questionamento de planos de recuperação gera embates

Justiça tem barrado anistia de dívidas e afastado as garantias aprovadas conforme o interesse dos devedores e levanta debate no meio jurídico

Andréia Henriques

SÃO PAULO – As recentes decisões da Justiça anulando planos de recuperação judicial e entendendo que as assembleias de credores não são soberanas para decidir de que forma serão quitadas as dívidas das empresas têm gerado discussões no meio jurídico. Para advogados, tais interpretações devem se tornar ainda mais comuns em razão da forma abusiva como a Lei n. 11.101/2005 tem sido utilizada pelas empresas devedoras. Mas segundo especialistas, é preciso levar em conta a manutenção da empresa.

"O interesse social envolvido na preservação da empresa deve ser o foco de atenção do aplicador da lei e dos operadores do direito", afirma o advogado Écio Perin Júnior, do Viseu Advogados.

A advogada Lívia Biscaro Carvalho, do Diamantino Advogados Associados, afirma o cenário atual é de diversos planos aprovados com nulidades e vícios que prejudicam credores em benefício unicamente dos interesses da empresa em recuperação e de seus sócios. Segundo Perin Junior, em grande parte dos processos de recuperação judicial os planos limitam-se à ampliação dos prazos para o pagamento das dívidas e ao deságio que na prática variam de 70% a 90% sobre o valor da dívida. "São soluções que se mostram, muitas vezes, incapazes de permitir a reestruturação necessária à efetiva superação da crise", diz.

As decisões da Justiça, portanto, trazem benefícios ao aplicar a lei de forma adequada. "A Lei n. 11.101 não merece ser utilizada como instrumento de anistia ampla de dívidas e garantias conforme interesses dos devedores sem qualquer respaldo", afirma Lívia Carvalho. "O entendimento visa a proteger créditos e garantias dando-os segurança jurídica necessária para que a empresa consiga se reerguer sem, contudo, prejudicar credores e terceiros de boa-fé", diz Flávia Regina Alves Costas, também do Diamantino Advogados.

O precedente para essa interpretação foi aberto com decisão da Justiça paulista, que no início do ano anulou o plano da Cerâmica Gyotoku . Em outro caso, envolvendo a Decasa Açúcar e Álcool, o Tribunal de Justiça de São Paulo disse que a "proposta que viola princípios de direito, normas constitucionais, regras de ordem pública e a isonomia dos credores, ensejando a manipulação do resultado das deliberações da assembleia é nula".

A Justiça do Rio Grande do Sul também invalidou um plano, da Tutto Condutores Elétricos, por ser considerado abusivo e injusto, além de acarretar uma verdadeira moratória aos credores.

Segundo a lei de recuperação judicial, com a anulação do plano, deveria ser decretada a falência da empresa. No entanto, nos dois casos da Justiça paulista a solução dada foi a exigência de apresentação de um novo plano discutido em assembleia a ser convocada em até 60 dias. No processo gaúcho, a determinação foi de apresentar um novo plano no prazo de 30 dias, para que, segundo a decisão, se possa ver garantia a isonomia entre os credores para a viabilização da recuperação da empresa.

"A determinação de apresentação de um novo plano não supera automaticamente o problema, uma vez que este deverá ser submetido novamente à assembleia e depois à homologação judicial. A questão será solucionada unicamente se aprovado um plano efetivamente em consonância com a legalidade e justiça, hipótese em que seria homologado pelo Judiciário", afirma Flávia Costas.

O Superior Tribunal de Justiça, em decisão divulgada no final de junho, afirmou que a aprovação de plano de recuperação judicial por assembleia de credores tem total autonomia, mas não pode ultrapassar condições legais. A relatora do caso, ministra Nancy Andrighi, afirmou que a Justiça não pode, a princípio, interferir na vontade dos credores, alterando o plano. Mas pode interferir para que se "promova um controle quanto à licitude das providências" decididas na reunião.

Para Livia Carvalho, um plano de recuperação aprovado em confronto com a legislação vigente não deve ser aceito apenas em razão da aprovação em assembleia "Cabe ao Judiciário a análise de legalidade e justiça antes de sua homologação", diz. "Deve ser afastada a utilização da lei em prejuízo da coletividade de credores e benefício único dos devedores, sócios e credores parceiros", completa Flávia Costas.

Perin Junior afirma que o debate não pode virar uma questão entre o "bem", ou seja, o interesse público da preservação da empresa, e o "mal", o interesse privado dos credores. "Não se pode falar em irrestrita supremacia do interesse público sobre o privado, pois o público só poderá prevalecer em determinadas condições que não impliquem em negação absoluta dos interesses privados", afirma. "O direito deve captar as circunstâncias fáticas, o que não poderia ser feito se houvesse uma interpretação pela fria letra da lei", completa.

O advogado diz que as decisões trazem questões como se o tribunal ao interferir na configuração do plano, sem que o recorrente tenha requerido, faz com que o julgamento tenha algum vício e se o Judiciário está autorizado a examinar o conteúdo do plano.

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