Recorde na safra de IMPOSTOS

Recorde na safra de IMPOSTOS

Produzir nos campos brasileiros significa enfrentar muitas adversidades, como a multitributação. E há o caso de impostos como o Funrural, já declarado inconstitucional, mas que ainda é cobrado do produtor

Eduardo Diamantino, sócio do escritório Diamantino Advogados Associados e vice-presidente da Academia Brasileira de Direito Tributário – ABDT, eduardo.diamantino@diamantino.adv.br

O Brasil produz muito. Na pecuária, somos líderes mundiais na produção de carnes, com exportação de mais de 1,2 milhão de toneladas ao ano. Na agricultura, vale destacar o recorde na exportação dos complexos soja (grãos, farelo e óleo), açúcar, café em grão e suco de laranja. Para se ter uma ideia, isso representa a produção total de 162 milhões de toneladas em uma área de quase 50 milhões de hectares. Mas no Direito Tributário também somos líderes na produção de normas. Assim, não bastasse haver aproximadamente 62 tributos, há, ainda, uma média de 34 normas editadas por dia, de acordo com dados do Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário (IBPT).

Em boa parte dos países, discute-se uma política para o fomento agropecuário. Para dar um exemplo, o presidente americano Barack Obama tentou implementar um fundo internacional de US$ 3,5 bilhões para apoiar o desenvolvimento agrícola em países necessitados. Em meio à crise que anda por lá, conseguiu US$ 1,9 bilhão do Congresso. A Fundação Gates doou US$ 1,7 bilhão para projetos agrícolas. Enquanto isso, aqui, esperamos para saber qual foi o novo tributo a ser criado e que, com certeza, incidirá sobre a produção agrícola.

Analisando a pauta de pretensões do agronegócio junto ao Congresso Nacional, verificamos que a exoneração de carga tributária não é um tema que preocupe os nossos representantes. De acordo com estudo, os ruralistas têm uma bancada composta por 217 deputados e senadores, que lutam por diversos pleitos. Lá se fala sobre crédito rural, custos de produção, questões fundiárias, reforma agrária, Fundo de Catástrofe e Código Florestal. Mas não há pauta específica para a desoneração tributária. Apenas iniciativas esparsas e mal sistematizadas. Dessa forma, o resultado é altamente previsível: catástrofe. Exemplos claros não faltam, como se verá a seguir.

PIS/Cofins: veja o caso do PIS e da Cofins. Estes dois tributos incidem em todas as operações mercantis realizadas por pessoas jurídicas. Assim, tomando como exemplo o leite, incidem sobre ração animal, compra e venda de bovinos, energia elétrica, frete, vacinas. Depois de produzido, o leite é vendido ao laticínio, que, dependendo do tipo de produto, ganha uma isenção. Essas sucessivas incidências, que terminam com uma isenção, são de uma irracionalidade absurda. O laticínio passa a acumular créditos de difícil utilização que devem ser reconhecidos no balanço e pagarão Imposto de Renda e contribuição social sobre o lucro. Esqueceram–se de que isenções ou não incidências de tributos como estas devem ser concedidos após longo estudo, que leve em consideração, principalmente, a questão da cadeia como um todo, ou seja, da exoneração do insumo, do produtor rural, da indústria e do varejo. Caso contrário, o efeito se anula.

ICMS: também é grave a situação no que diz respeito ao Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS). Esse tributo de competência estadual tem uma legislação diferente em cada estado da federação e um sistema para cada produto. Cópia alterada do IVA europeu, o ICMS tem como característica marcante o fato de ter a maior parte dos recursos recolhidos no estado de origem e não no de destino, como no tributo originário. Assim, se sedimentou no Brasil o costume de o estado remetente dos produtos outorgar créditos fictícios que impactam as contas do estado que os recebe. Essa confusão atende pelo singelo nome de “guerra fiscal”. A guerra é antiga, dura décadas.Recentemente, o Supremo Tribunal Federal (STF) apreciou inúmeras Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADINS) que questionavam benefícios fiscais concedidos por várias unidades da federação.

Das 14 ADINS julgadas, a Corte Suprema decretou a inconstitucionalidade de normas estaduais dos estados do Rio de Janeiro, Mato Grosso do Sul, São Paulo, Paraná, Espírito Santo, Pará e do Distrito Federal, que concediam incentivos fiscais por meio da redução do imposto sobre operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços (ICMS). Essa medida foi tomada para acabar com a guerra fiscal entre esses estados, que usavam o ICMS para a concessão de benefícios. O STF deixou claro que não devem prosperar esses tipos de benefícios sem o conhecimento e autorização do Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz). A intenção do STF é invalidar todos os benefícios fiscais estaduais que desrespeitem o requisito constitucional de ser necessária a existência de lei para validar tal expediente (artigos 150, § 6º e 155, § 2º, XII, “g”, da Constituição).

O lado mais assustador do julgamento do STF é a possibilidade de os estados cobrarem das empresas os valores de ICMS que deixaram de ser arrecadados, em razão dos benefícios fiscais concedidos, nos últimos cinco anos. Ou seja, poderá haver a cobrança retroativa de ICMS. Um estudo do Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário (IBPT) apontou que os setores que mais sofreriam com isso seriam o automotivo, eletroeletrônico, agropecuário, de máquinas e equipamentos, de papel e celulose, metalurgia e minerais metálicos, aeronáutico, embarcações, medicamentos, comércio atacadista, transportes e combustíveis.

É um tema antigo que gera muita confusão e pouca certeza sobre sua validade. Para completar o quadro, é dificílimo ocorrer a desoneração total dos produtos exportados. A sucessiva incidência do tributo em diversas configurações por distintos estados acaba pór torná-lo cumulativo. Aí, uma vez recolhido o tributo indevidamente, tem-se a hercúlea tarefa de tentar recebê-lo de volta. O resultado é que acabamos por exportar tributos em nosso país.

Funrural: isso sem contar o Funrural, já declarado inconstitucional e ainda cobrado. A história desta contribuição é interessante. Criada para poder custear a aposentadoria dos pequenos produtores e pescadores, foi indevidamente estendida a eles nas leis ordinárias. Pois bem, depois de muito tempo o STF declarou a inconstitucionalidade do artigo 1º da Lei nº 8.540, de 22 de dezembro de 1992, que prevê o recolhimento da contribuição para o Fundo de Assistência ao Trabalhador Rural (Funrural) sobre a receita bruta proveniente da comercialização da produção rural de empregadores, pessoas físicas. O STF também negou o pedido da Advocacia Geral da União (AGU), em defesa do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), que administra o Funrural, para que a decisão fosse modulada, isto é, para que os seus efeitos fossem aplicados somente para os futuros recolhimentos da contribuição, e não de forma retroativa.

A decisão diz o seguinte: “Recurso Extraordinário – Pressuposto Específico – Violência à Constituição – Análise – Conclusão. Porque o Supremo, na análise da violência à Constituição, adota entendimento quanto à matéria de fundo do extraordinário, a conclusão a que chega deságua, conforme sempre sustentou a melhor doutrina – José Carlos Barbosa Moreira -, em provimento ou desprovimento do recurso, sendo impróprias as nomenclaturas conhecimento e não conhecimento. Contribuição Social – Comercialização de Bovinos – Produtores Rurais Pessoas Naturais – Sub-rogação – Lei no. 8.212/91 – Artigo 195, Inciso I, da Carta Federal – Período anterior à Emenda Constitucional no. 20/98 – Unicidade de Incidência – Exceções – Cofins e Contribuição Social – Precedente – Inexistência de Lei Complementar. Ante o texto constitucional, não subsiste a obrigação tributária sub-rogada do adquirente, presente à venda de bovinos por produtores rurais, pessoas naturais, prevista nos artigos 12, incisos V e VII, 25, incisos I e II, e 30, inciso IV, da Lei nº 8.212/91, com as redações decorrentes das Leis nº 8.540/92 e nº 9.528/97. Aplicação de leis no tempo – considerações.”

E o Governo não se fez de rogado. Ainda que com placar desfavorável à questão no STF, criou nova faixa de incidência da contribuição, gravando, desta vez, os produtos intermediários. Ela está na Lei nº 11.718/2008, que revogou o parágrafo 4º do artigo 25 da Lei 8.212/ 91, que previa a isenção nas operações entre produtores pessoas físicas. Essas operações passaram a compor o campo de incidência do Funrural. Dessa forma, como se não bastasse, por exemplo, a venda de madeira, passou-se a cobrar também a venda de mudas.

“Multitributação” — Assim, ocorre mais do que bitributação. Estamos diante de “multitributação”, que não gera direito a crédito e onera sobremaneira a produção rural. Já faz mais de um ano que o Supremo discutiu a questão. Por enquanto, continuam exigindo o mesmo recolhimento dos produtores, como se cumprimento de decisão judicial fosse “optativo”. Boa fé por parte da União e seus representantes é utopia.

Até agora, o agronegócio é responsável por 25% do PIB — um número próximo a R$ 800 bilhões por ano. Esse mesmo setor gera um terço dos empregos do país, com 17 milhões de postos de trabalho. Carrega ainda a culpa pelo aumento do valor da cesta básica da alimentação e sofre constantes ameaças de desapropriação dos seus meios de produção. O panorama global é que o sistema agrícola mundial está em crise. O mundo deve se tornar mais eficiente e dobrar a sua produção para que haja comida para todos. Estudos indicam que a população mundial terá mais três bilhões de pessoas do que tem hoje, atingindo dez bilhões de seres humanos no final do século. Inúmeros países têm se preparado para isso, buscando eficiência a qualquer custo.

Talvez isso esteja distante da realidade brasileira. Aqui, hoje, temos eficiência na produção. Nem sempre foi assim, mas atualmente somos o modelo a ser copiado. Nosso progresso foi da ameaça da saúva — aquela formiga que aterrorizava a todos no início do século passado com sua capacidade de estragar lavouras — à liderança da produção. Agora, em vez da formiga, temos de nos debruçar sobre este perverso e confuso sistema tributário. Ele sim pode arruinar o nosso agronegócio. Este é o momento exato e necessário para a reforma tributária.


 

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