Encerramento da recuperação judicial não deve ser automático

Encerramento da recuperação judicial não deve ser automático

A Lei nº 11.101/2005, denominada Lei de Recuperação de Empresas (LRE), dispõe em seu artigo 61 que “o devedor permanecerá em recuperação judicial até que se cumpram todas as obrigações previstas no plano que se vencerem até 2 (dois) anos depois da concessão da recuperação judicial”.

O início do referido prazo vem previsto no artigo 58 da LRE, e tem contagem iniciada da data de concessão da recuperação judicial, devendo, nos termos do artigo 69 da LRE, a expressão “em recuperação judicial” ser acrescida, após o nome empresarial, em todos os atos, contratos e documentos firmados pela empresa devedora sujeita ao procedimento, como forma de dar publicidade e segurança a terceiros que eventualmente estabeleçam qualquer relação comercial ou contratual com a recuperanda.

Assim, da superficial leitura dos artigos 61 e 62 da Lei nº 11.101/2005 pode-se depreender que a lei definiu o prazo de dois anos como limite para manutenção do processo de recuperação judicial de maneira que, em tese, expirado esse prazo, ainda que remanescentes obrigações consolidadas no plano, encerrar-se-ia o processo, afastando-se a possibilidade de convolação direta em falência (artigo 61, parágrafo 1º da LRE), e concedendo-se aos credores título executivo judicial apto a, em caso de descumprimento, permitir-lhes o direito individual de execução da obrigação novada ou requerimento de falência.

Contudo, em razão da precocidade da LRE, questiona-se atualmente a possibilidade de encerramento da recuperação judicial e a decorrente baixa da expressão “em recuperação judicial” inobstante a impossibilidade de conclusão do quadro geral de credores, em razão de processamento de incidentes, habilitações ou recursos discutindo a sujeição dos créditos na recuperação, e a existência de parcelamento do débito para os anos seguintes aos dois primeiros de recuperação judicial.

O simples decurso do prazo de dois anos não é suficiente ao automático encerramento da recuperação judicial e baixa da expressão “em recuperação judicial”, na medida em que não se pode privilegiar o encerramento da recuperação em prejuízo de interesses dos credores e terceiros contratantes.

Na prática, o pedido de encerramento ou mesmo a exclusão “automática” da expressão “em recuperação judicial” só se mostra razoável, quando existentes obrigações pendentes de adimplemento, se verificado que a empresa recuperanda cumpriu todas as obrigações previstas no plano que tiveram vencimento no curso da recuperação judicial.

Dessa forma, em que pese a ausência de decisões consolidadas sobre a matéria, até mesmo diante da recente vigência da Lei nº 11.101/05, enquanto não finalizado o quadro geral de credores, definitivamente consolidada a lista de créditos concursais pelas instâncias superiores (eventuais impugnações e recursos) e ainda quitado considerável parcela dos débitos constantes do plano, torna-se inviável o encerramento do procedimento de recuperação judicial e a consequente baixa da expressão, vez que a empresa, nesta situação, não merece ser considerada saudável e com diretrizes de recuperação definitivamente delineadas.

O óbice não está unicamente na homologação do quadro de credores no estado em que se encontrar após o decurso de dois anos contados da concessão da recuperação judicial, vez que este poderá ser retificado quantas vezes forem necessárias, mas, sim, nos riscos a serem ponderados em relação aos credores que perderão, em tese, a figura do administrador judicial como fiscalizador do cumprimento das obrigações da recuperanda.

Há que se ponderar que a baixa da recuperação judicial, ou mesmo da mera expressão determinada pelo artigo 69, implica em reconhecimento de saúde financeira da empresa e decorrente impossibilidade de manutenção dos benefícios conferidos pela Lei nº 11.101/2005 de maneira que a empresa, por considerar-se saudável, passará a ser regida diretamente pelas leis ordinárias (civis, cambiais e/ou comerciais).

No entanto, há que se considerar a posição da empresa recuperanda, que muitas vezes encontra dificuldades na obtenção de crédito, parcerias e investimentos em razão da expressão “em recuperação judicial”, impossibilitando-a até mesmo de dispor de seus bens.

Por fim, é importante aduzir que na hipótese de deferimento do encerramento da recuperação judicial e consequente baixa da inscrição na denominação da empresa, inobstante discussão acerca dos créditos sujeitos ao procedimento falimentar e existência de quantia vultuosa a ser quitada nos anos subsequentes, entende-se que os efeitos e benefícios da Lei nº 11.101/2005 cessarão quanto às dividas vincendas, incluindo-se as obrigações decorrentes da aprovação do plano de recuperação Judicial, passando a recuperanda a responder por seus compromissos na forma da legislação civil e comercial, sem as benesses apresentadas pela Lei de Recuperação de Empresas.

Flávia Regina Alves Costa, advogada especialista em Contencioso Civil e Recuperação Judicial do Agronegócio e Lívia Bíscaro Carvalho, advogada especialista em Direito Civil, pós-graduada em Direito Processual Civil na PUC-Campinas e em Contratos pela FGV

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