Aquisição de terras por estrangeiros

Aquisição de terras por estrangeiros

O Agronegócio, motor das exportações brasileiras, foi brindado com mais uma novidade jurídica por parte da Advocacia-Geral da União. Este setor, que historicamente reclama políticas de incentivo do governo recebeu um duro golpe com a edição dos avisos nºs 110 e 121 da AGU dirigidos, respectivamente, ao Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior e ao Ministério da Fazenda, nos quais se determinou o bloqueio de transações comerciais envolvendo imóveis rurais por companhias estrangeiras, estrangeiros ou empresas brasileiras que tenham a qualquer título pessoas estrangeiras detendo a maioria de seu capital social.

Soma-se a esses, a deliberação exarada na norma destinada aos cartórios de registro de imóveis.

Com esta postura, o governo federal intervém no mercado rural de forma inédita. Atropelando a segurança jurídica, o governo revê a sua própria interpretação de doze anos atrás e passa singelamente a considerar que estava equivocado.

Explicando a questão: A aquisição de terras por estrangeiro foi regulada de 1971 até 1988 pela Lei nº 5.709/71. Com a Constituição de 1988, face à introdução de conceito de empresa nacional (art. 171, I, § 1º), entendeu-se pela recepção da norma infra legal. Com a edição da emenda constitucional nº 6, de 1995, que revogou o art. 171, a própria AGU passou a entender, através de inúmeros pareceres, pela inaplicabilidade da Lei de 1971, a partir de 1998. Acontece que, em 2008, o presidente Lula passou a entender que seria nefasto a aquisição de terras brasileiras por estrangeiros por diminuírem o território nacional em uma clara confusão dos conceitos de direito de propriedade e soberania nacional. Assim, exarou-se o Parecer AGU LA-01 de 2008.

Contudo, em razão da forte crise mundial no final daquele ano, optou-se por engavetar o parecer até o fim de 2010.

Agora, com a edição dos avisos aos órgãos da Administração Pública, começa a valer o absurdo entendimento de que estaria vigente o parágrafo 1º, do artigo 1º, da Lei 5.709/71. No citado parecer, a AGU cuidou de alterar a fundamentação de seu raciocínio, ante a revogação do artigo 171 da Constituição Federal.

Os fundamentos merecem ser repassados rapidamente ante o seu descabimento.

O artigo 1º da Constituição brasileira trata de soberania; o artigo 3º trata do desenvolvimento nacional; o artigo 4º da independência nacional; e o artigo 5º sobre a igualdade.

O que isso tem a ver com o argumento da aquisição de terras por estrangeiros? Nada.

Resta ainda comentar alguns pontos importantes. O artigo 170, I, é a repetição destinada às pessoas jurídicas do artigo 1º, I. O inciso IX, fala de microempresas e é tema para o Sebrae. O artigo 172 fala de investimento estrangeiro e remessa de lucros, sendo importante para direito financeiro.

Já o artigo 190 merece ser transcrito: “a lei regulará e limitará a aquisição ou arrendamento de propriedade rural por pessoa física ou jurídica estrangeira e estabelecerá os casos que dependerão de autorização do Congresso Nacional”.

O comando citado é o único aplicável ao entendimento da AGU, e para fundamentar o apontado parecer, bastaria a citação dele. Assim, neste entendimento que desrespeita a segurança jurídica, o direito adquirido, a livre iniciativa, o desenvolvimento, entende a AGU que a Lei de 1971 tem fundamento de validade no artigo 190 da Constituição Federal. Isso pode ser válido numa interpretação mal feita.

O raciocínio é simples. Geraldo Ataliba nos ensinou a procurar o destinatário constitucional das normas. Assim, repetindo o exercício, devemos identificar quem é o destinatário constitucional do artigo 190. A resposta é óbvia: a pessoa física ou jurídica estrangeira.

Assim, lei infra-legal não pode ultrapassar este limite. O caput do artigo 1º da Lei 5.709/71 determina que o estrangeiro residente no país e a pessoa jurídica estrangeira autorizada a funcionar no Brasil se submetam aos ditames da Lei. O parágrafo 1º que determina que se sujeitam a estas limitações as pessoas estrangeiras físicas ou jurídicas que têm a maioria de seu capital social ou sede no exterior se equipariam às do caput, e, jamais poderá se fundamentar no artigo 190 da Constituição Federal.

Diante disso, óbvio esclarecer que: 1) se houve a recepção da Lei 5.709/71 pós emenda constitucional nº 6/95, os únicos que se submetem às limitações constantes da regra são os estrangeiros residentes no País e pessoas jurídicas estrangeiras autorizadas a funcionar no Brasil; 2) a distinção feita no parágrafo 1° do artigo 1º, da Lei 5.709/71, a pessoas jurídicas brasileiras com participação do exterior é inconstitucional e descabida.

* Eduardo Diamantino, sócio do escritório Diamantino Advogados Associados e vice-presidente da Academia Brasileira de Direito Tributário –ABDT
 

Outras Notícias

Sistema agroflorestal: sucesso do cacau de Zé Inocêncio não é obra do cramulhão
Desconto de horas negativas equilibra direitos e deveres trabalhistas
Personalidades destacam importância do Anuário da Justiça São Paulo
Fique Sempre Por dentro
Cadastre-se na nossa newsletter
powered by Logo