
TJ-SP acena para novos arranjos sucessórios em pacto antenupcial
A coordenadora Lívia Bíscaro Carvalho e a advogada Lara Prado, da área cível do escritório Diamantino Advogados Associados, tiveram seu artigo de opinião publicado no jornal Correio Braziliense sobre a recente decisão do Tribunal de Justiça de São Paulo, que reconheceu a possibilidade de registro de pacto antenupcial com cláusula de renúncia ao direito sucessório.
Confira:
O Tribunal de Justiça de São Paulo reconheceu, recentemente, a possibilidade de registro de pacto antenupcial com cláusula de renúncia ao direito sucessório. Embora o TJ-SP não tenha analisado a validade da cláusula, a autorização para registro do pacto marca uma inflexão relevante na forma como se compreende o artigo 426 do Código Civil. Também indica um novo caminho a ser seguido pela Corte em processos que discutem renúncia à herança.
A redação é simples: “Não pode ser objeto de contrato a herança de pessoa viva”. O fundamento clássico é moral e protetivo. Ou seja, a ideia é evitar que interesses econômicos corrompam os vínculos familiares ou incentivem litígios de forma antecipada. Historicamente, a proibição recai sobre os contratos que dispõem sobre herança futura (pacta corvina), os quais incluem não apenas os dispositivos que transferem bens, mas também os institutivos (nomeação de herdeiros) e os renunciativos (abdicação do quinhão).
Contudo, esse posicionamento tem sido gradualmente reavaliado diante de relações patrimoniais cada vez mais complexas. A decisão do TJ-SP marca o afastamento da postura mais restritiva que vinha sendo adotada. Até então, os precedentes do TJ-SP não autorizavam o registro dos pactos contendo cláusulas semelhantes. Com base nisso e na interpretação literal do artigo 426, o cartório negou o registro do pacto — o que suscitou a atuação jurisdicional.
Ao admitir o registro da cláusula, o tribunal entendeu não se tratar de disposição sobre herança alheia, mas sim, de exercício legítimo da autonomia privada para afastar efeitos patrimoniais indesejados entre cônjuges — especialmente no regime de separação de bens.
O fundamento é pragmático: se, em vida, o casal optou por manter patrimônios apartados, como ocorre no regime de separação total de bens, não haveria razão para que, com a morte de um deles, houvesse comunicação de bens.
Para o desembargador Rodrigo Loureiro, corregedor-geral de Justiça e relator, a decisão do cartório antecipou uma discussão que eventualmente caberia à esfera jurisdicional no momento da abertura da sucessão. Mais do que uma concessão jurisprudencial isolada, a decisão dialoga com o projeto de reforma do Código Civil, que propõe autorizar expressamente que nubentes e conviventes, por pacto antenupcial ou escritura pública, renunciem à condição de herdeiros.
Assim, esse movimento legislativo e jurisprudencial precisa ser compreendido à luz da evolução do direito de família. A proteção era justificável na época do Código Civil de 1916. Porém, as relações conjugais se tornaram mais fluidas e os arranjos patrimoniais, cada vez mais sofisticados, fazendo-se necessário repensar a rigidez sucessória.
Não se ignora, é claro, que a flexibilização exige cautela. O uso indiscriminado de cláusulas de renúncia pode fragilizar o cônjuge economicamente vulnerável, abrindo margem para pactos abusivos ou firmados sem real entendimento das consequências jurídicas. A solução, porém, não parece estar na interdição absoluta da liberdade contratual. Mas é certo: a autonomia privada vem ganhando espaço no direito das sucessões. E, com a recente decisão do TJ-SP e a proposta de reforma do Código Civil, o artigo 426, tal como está redigido, em breve será superado.
Confira mais, acessando ao site do Correio Braziliense: https://www.correiobraziliense.com.br/direito-e-justica/2025/06/7163092-tj-sp-acena-para-novos-arranjos-sucessorios-em-pacto-antenupcial.html