Multa civil vinculada à data do ato de improbidade é desproporcional
O coordenador do Contencioso Cível, Dr. Matheus Cannizza, e a advogada Dra. Geovanna Nicolete do Diamantino Advogados Associados, tiveram seu artigo de opinião publicado no portal ConJur (Consultor Jurídico), no qual abordam a desproporcionalidade da multa civil vinculada à data do ato de improbidade.
Confira!
O Superior Tribunal de Justiça voltou a analisar assuntos relacionados à Lei de Improbidade Administrativa. Dessa vez, no julgamento do Tema 1.128, o STJ definiu que é a data do ato ímprobo que deve ser considerada como o termo inicial para a incidência da correção monetária e dos juros de mora da multa civil prevista na LIA. Tomada sob o rito dos repetitivos, a decisão consolida o entendimento para encerrar aplicações divergentes pelas instâncias inferiores.
A decisão fundamentou-se na aplicação automática das Súmulas 43 (“Incide correção monetária sobre dívida por ato ilícito a partir da data do efetivo prejuízo”) e 54 (“Os juros moratórios fluem a partir do evento danoso, em caso de responsabilidade extracontratual”), que tratam da incidência da correção monetária desde o efetivo prejuízo e dos juros moratórios a partir do evento danoso nos casos de responsabilidade civil extracontratual.
A principal justificativa do STJ baseou-se na lógica da responsabilidade extracontratual, prevista no artigo 398 do Código Civil, segundo o qual “nas obrigações provenientes de ato ilícito, considera-se o devedor em mora desde que o praticou”.
O STJ entendeu que, por se tratar de uma sanção imposta em razão de um ato ilícito, a multa civil por ato de improbidade deveria seguir essa mesma lógica, assegurando que a correção monetária e os juros reflitam a efetiva dimensão do dano causado ao erário desde sua ocorrência.
O entendimento, contudo, sugere questionamentos. Essa abordagem desconsidera a natureza sui generis da multa civil, que não possui caráter indenizatório, mas sancionador. O próprio ordenamento jurídico distingue a multa civil do dever de ressarcimento.
Pena antecipada e desproporcional
Diferentemente das obrigações de reparação de danos ao erário, que buscam recompor um prejuízo material concreto (ressarcimento), que justificam a incidência de encargos financeiros desde a prática do ato, a quantificação e exigibilidade da multa civil (natureza de sanção) deveriam se dar a partir da confirmação da condenação judicial definitiva.
A determinação de que os encargos financeiros corram desde a data do suposto ato ímprobo equivale a uma penalização antecipada, contrariando o caráter declaratório da sanção. Enquanto não há condenação definitiva, não se pode presumir que houve ato ímprobo e, consequentemente, não se poderia impor ônus financeiros retroativos ao agente acusado.
A improbidade administrativa exige a apuração da conduta dolosa em juízo, com observância das garantias do contraditório e da ampla defesa. Ao fixar juros e correção monetária desde o ato investigado, a decisão do STJ pressupõe, paradoxalmente, uma condenação retroativa, comprometendo princípios basilares do direito sancionador, como a presunção de inocência.
Além disso, a medida imposta pelo STJ suscita um problema de proporcionalidade. Em processos de longa duração, como é o caso dos de improbidade, a incidência de correção monetária e juros de mora desde a data do ato pode gerar montantes exorbitantes, tornando a penalidade imposta excessiva e distante do princípio da razoabilidade.
A posição do STJ também se distancia da evolução legislativa da Lei de Improbidade Administrativa. A reforma promovida pela Lei 14.230/2021 reforçou a exigência do dolo para a caracterização do ato ímprobo e estabeleceu critérios mais rigorosos para a aplicação de sanções, alinhando a improbidade administrativa com os princípios do direito penal e sancionador. A própria lei prevê que a execução das penalidades só pode ocorrer após o trânsito em julgado, conforme disposto no parágrafo 9º do artigo 12 (“As sanções previstas neste artigo somente poderão ser executadas após o trânsito em julgado da sentença condenatória”).
Embora a decisão tenha sido tomada com amparo na legítima pretensão de garantir maior efetividade na punição dos atos de improbidade, acabou deixando de lado princípios fundamentais do direito sancionador, que deveriam suportar necessário equilíbrio entre repressão jurisdicional e respeito aos direitos fundamentais, como a presunção de inocência e a vedação de sanções desproporcionais.
Saiba mais acessando ao Portal do Conjur: https://www.conjur.com.br/2025-mai-08/multa-civil-vinculada-a-data-do-ato-de-improbidade-e-desproporcional/