Fogo no campo revela novo desafio para cumprimento de contratos

Fogo no campo revela novo desafio para cumprimento de contratos

Por João Eduardo Diamantino                                                                             

O cenário de incêndios devastadores, que destruíram lavouras, florestas e rebanhos, traz uma nova controvérsia para a qual a legislação e o Judiciário ainda não têm respostas prontas

O Brasil foi tomado recentemente por uma espessa nuvem de fuligem que cobriu o céu de diversas regiões. Incêndios devastadores avançaram sem controle, destruindo lavouras, florestas, rebanhos e até mesmo imóveis residenciais. Em um cenário de múltiplos prejuízos, a pergunta que se impõe é: quem pagará a conta?

De acordo com o INPE, o número de focos de incêndios é o maior desde 2010, superando a marca de 100 mil casos, que atingiram mais da metade dos estados. Para piorar, a situação deve persistir, segundo a meteorologia, e as cenas de destruição e pânico causados pelo fogo devem se repetir. Após a tragédia do Rio Grande do Sul alagado, agora é a hora de combater o fogo.

Seja por ingenuidade ou preferência política, acusadores mais apressados apontaram o dedo para o agronegócio, que estaria usando o fogo para o manejo de lavouras. A estrela do PIB brasileiro mais uma vez paga, injustamente, o preço do sucesso.

Desde 1998, as queimadas são um crime ambiental previsto na Lei 9.605. E para ficar num só exemplo, a colheita da cana-de-açúcar é majoritariamente mecanizada e dispensa o uso do fogo há pelo menos 20 anos.

Na verdade, a grande maioria das propriedades afetadas pelos incêndios das últimas semanas são do agronegócio e os produtores trabalham com a previsão da safra futura.

Houve quebra de safra, perda de animais, queimada de florestas. E seguros contra incêndio não são uma realidade, já que os valores das apólices com esta cobertura não são viáveis financeiramente para a grande maioria dos produtores.

Os prejuízos são de dois tipos: ambientais e cíveis. Os ambientais, podem ser exemplificados com a perda das reservas legais, a ausência de chuvas e a piora na qualidade do solo. Já os prejuízos cíveis estão ligados ao descumprimento de contratos, aumento das cotações e escassez de alimentos.

Quando a entrega da safra não é cumprida, essa situação atípica pode justificar uma revisão contratual? A resposta é: depende.

Para elucidar a questão é necessário recorrer à “teoria da imprevisão”, prevista nos artigos 478 a 480 do Código Civil.

A premissa é de readequação do equilíbrio entre as partes e prevê a resolução contratual quando “a prestação de uma das partes se tornar excessivamente onerosa, com extrema vantagem para a outra, em virtude de acontecimentos extraordinários e imprevisíveis”. Contudo, a grande questão agora é que, nesse caso, não há vantagem para nenhuma das partes.

Em 2012, o STJ, ao julgar o REsp 945.166, decidiu que pragas, secas e variações de preço não justificam a resolução de contratos agrícolas. A decisão é embasada na necessidade de cláusula específica que permita ajustar os termos do acordo em razão de eventos extraordinários ou imprevisíveis que alteram radicalmente as bases do contrato.

No entanto, o país em chamas é um cenário que não estava previsto. Diante disso, é necessário analisar as múltiplas situações envolvidas.

Em um contrato de parceria rural de plantio de cana-de-açúcar, por exemplo, cujo prejuízo estimado pelo setor supera os R$ 800 milhões apenas no estado de São Paulo, tanto o parceiro-proprietário, quanto o parceiro-produtor devem dividir os riscos — e as duas partes têm alguma perda. Afinal, a capacidade mútua de assumir riscos é fundamental para a viabilidade desse tipo de contrato.

Já num arrendamento para plantação de soja, a situação é diferente. O arrendatário deve pagar um valor de sacas por hectare conforme acordado, mas a entrega não será possível porque o plantio foi consumido pelo fogo. Nesse caso, o produtor poderá invocar a “teoria da imprevisão”, considerando um incêndio de proporções jamais vistas?

A situação revela uma nova controvérsia para a qual a legislação o e o Judiciário ainda não têm respostas prontas. A partir de agora, processos judiciais e as negociações contratuais devem ser capazes de reconhecer a gravidade das circunstâncias em busca de soluções, caso a caso.

João Eduardo Diamantino é sócio da área tributária no Diamantino Advogados Associados

ARTIGO: Fogo no campo revela novo desafio para cumprimento de contratos – AgFeed

Outras Notícias

Tese trabalhista do STF garante segurança jurídica, mas pode dificultar execuções
Demanda do agro, Lei de Reciprocidade tem legado incerto
STJ tem chance de corrigir modulação da tese do Sistema S
Fique Sempre Por dentro
Cadastre-se na nossa newsletter
powered by Logo