Regularização de créditos de ICMS impõe ‘escolha de Sofia’ ao contribuinte

Regularização de créditos de ICMS impõe ‘escolha de Sofia’ ao contribuinte

Por Gustavo Vaz Faviero e Beatriz Palhas Naranjo                                                                                            

Enquanto a sociedade aguarda a simplificação do sistema fiscal prometido pela reforma tributária em algum momento do futuro, o Brasil do presente continua confuso ao contribuinte, que segue tendo que lidar com as agruras e disfuncionalidades da legislação em vigor.

Até amanhã, 30 de abril, companhias beneficiadas por programas estaduais de subvenção de investimentos terão de fazer uma “escolha de Sofia”: aderirem a um programa de regularização que implica a aceitação de regras tão controversas quanto as que deram origem aos débitos ou se sujeitarem a autuações e execuções fiscais de débitos passados.

A referência ao romance de William Styron não é exagerada. Na história, Sofia Zawistowk tem que escolher qual dos filhos deve ser levado a um campo de concentração. Desde então, “escolha de Sofia” tornou-se o sinônimo para a opção entre duas alternativas igualmente insuportáveis.

No caso das empresas brasileiras, o programa de regularização da Receita vincula o desconto à aceitação das regras da Lei 14.789/2023, válida a partir de 2024, que revogou o tratamento anterior. Em síntese, a nova lei determina a tributação dos benefícios estaduais (ex: crédito presumido de ICMS) pelo IRPJ, CSLL e PIS/Cofins no percentual combinado de 43,25%. Em contrapartida, é concedido um crédito parcial, de até 25% em situações específicas.

Ocorre que esse tratamento mantém a ilegalidade da cobrança que existia nas regras vigentes na Lei 12.973/2014, que foi revogada pela nova lei. Ou seja, trocou-se uma lei problemática por outra igualmente ruim.

Um benefício concedido pelo Estado não pode ser considerado renda (base da cobrança do IRPJ/CSLL) ou receita (geradora de PIS/Cofins), independentemente do tratamento dado por uma lei, uma vez que no direito brasileiro tais conceitos possuem previsão constitucional.

A União não pode exigir do contribuinte parcela do imposto que outro ente federativo deixou de cobrar por meio da concessão de créditos presumidos.

Isso porque a incidência da tributação federal implica uma apropriação indireta, por parte da União, da competência tributária de outro membro da federação, que abriu mão de exigir o imposto. A situação caracteriza “quebra do pacto federativo”, elemento basilar do Estado brasileiro.

Instrumento legítimo

A concessão de incentivo, observados os requisitos legais, é um instrumento legítimo de política fiscal, inerente a autonomia dos estados e municípios para atender às necessidades locais.

Assim, a tributação da União desta renúncia tolhe essa autonomia. Não por outra razão a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça vem se posicionando contra a cobrança do IRPJ, CSLL e PIS/Cofins sobre os créditos presumidos de ICMS.

Contudo, o governo não aceita este entendimento e insiste em criar formas de cobrar os impostos indevidos. Assim, formulou uma espécie de programa de regularização fiscal A armadilha é que o contribuinte pode jogar a toalha e reconhecer que as subvenções recebidas até 2023 deveriam ser tributadas. Em contrapartida, a Receita Federal concede um desconto de até 80% e permite parcelar a “dívida” — que sequer deveria ser reconhecida

Como no Brasil até o passado é incerto, a possibilidade de liquidar um passivo hipotético é tentadora, ainda mais quando as condições são atrativas. Contudo, como contrapartida ao desconto, o contribuinte deve aceitar o tratamento dado pela nova lei. Ou seja, aceitar que as subvenções devem ser tributadas.

Trata-se de situação atípica e ilegal. A lógica dos acordos tributários é uma renúncia da discussão relativa ao período abarcado na negociação e não de uma vinculação de períodos futuros.

Mas não é só isso. O contribuinte não pode, usando a expressão do  texto da Lei 14.789/2023, ser instigado a se “conformar” com uma norma possivelmente ilegal. Da mesma forma, a União não pode transformar o Direito Tributário em uma aposta e transferir todo o risco da escolha ao pagador de impostos. Afinal, o contrário seria igualmente um disparate, já que não se cogita o Fisco oferecer, antecipadamente, créditos tributários por uma tese suplantada.

A valer o raciocínio da Receita Federal, o que irá acontecer se os Tribunais continuarem a considerar como indevida a cobrança dos impostos sobre os créditos presumidos de ICMS? O governo vai devolver o dinheiro arrecado por meio deste acordo? Em vez de solucionar os problemas da legislação anterior, foram criadas novas incertezas. Com a repetição do erro,  o Judiciário será novamente chamado para tentar resolver a questão.

Gustavo Vaz Faviero é coordenador da área tributária e Beatriz Palhas Naranjo é sócia da área tributária  no escritório Diamantino Advogados Associados.

 

Regularização de créditos de ICMS impõe ‘escolha de Sofia’ ao contribuinte (conjur.com.br)

Outras Notícias

STJ exclui Difal de ICMS da base de cálculo do PIS/Cofins
STJ garante segurança aos arrematantes de imóveis em leilões
Sêmen e embriões terão redução de 60% de impostos com a reforma tributária
Fique Sempre Por dentro
Cadastre-se na nossa newsletter
powered by Logo