Igualdade salarial, a promessa vazia da Lei 14.611/23

Igualdade salarial, a promessa vazia da Lei 14.611/23

Por Lara Fernanda de Oliveira Prado                                                                                                   

A Lei nº 14.611 de 2023 preconiza estabelecer a equiparação salarial entre homens e mulheres por meio do incremento da fiscalização, transparência sobre salários e aumento de multas às empresas em caso de descumprimento do disposto na legislação. Entretanto, ainda que essa medida possa ter algum valor simbólico para o fim a que se destina, na prática, vislumbra-se rara efetividade.

Um primeiro ponto a esclarecer reside no fato de que o tema já tem respaldo constitucional (CF/88), convencional (Convenção nº 100, da OIT) e, especialmente, legal (CLT). Assim, a igualdade salarial é obrigatória e tutelada pelo Direito pátrio há muito tempo, e a recente lei não traz novidade nesse sentido.

Mas, uma inovação trazida por ela, que vale destacar, é a imposição da publicação de relatórios semestrais de transparência salarial e critérios remuneratórios para empresas com 100 ou mais empregados, sob pena de multa em caso de descumprimento (até 3% da folha de salário dos empregados, limitada a 100 salários-mínimos).

Sendo assim, as grandes empresas certamente devem se adaptar às novas medidas e reavaliar seus canais de compliance.

Ademais, foi promovido um aumento na multa já estabelecida pelo artigo 510 da CLT, direcionada às empresas que infringirem a igualdade salarial com base no sexo. Agora, essa penalidade pode alcançar até dez vezes o montante do salário do funcionário discriminado e é duplicada em casos de reincidência. Além disso, a empresa infratora é obrigada a apresentar um plano de ação para reduzir a disparidade salarial.

A grande questão é que as novas medidas de fiscalização e punição esbarram em um entrave maior: o preenchimento dos pré-requisitos estabelecidos pela legislação trabalhista ao tratar da equiparação salarial (artigo 461 da CLT). Isso porque é imprescindível satisfazer todos esses requisitos para efetivar a igualdade salarial, e somente assim ela será reconhecida, seguindo a orientação estabelecida pela jurisprudência do país.

Inicialmente, a parte deve indicar um paradigma certo e determinado (empregado espelho), o qual deve exercer a mesma função, para o mesmo empregador, no mesmo estabelecimento, e com trabalho de igual valor. Este último é entendido como aquele feito com igual produtividade e idêntica perfeição técnica, o que pode ser facilmente distorcido.

Além disso, a diferença de tempo na função entre o empregado requerente e o paradigma não pode ser superior a dois anos, e a de tempo de serviço na empresa não superior a quatro anos. Outrossim, a disparidade salarial não pode estar fundamentada ou prevista em plano de cargos e salários, o qual não precisa sequer ter homologação e registro, bastando apenas a existência de acordo individual. Ainda, o paradigma não pode ser empregado readaptado.

Não obstante todos esses itens tenham sido superados, ainda será necessário comprovar que o motivo da diferença salarial foi baseado em discriminação por sexo.

Como é evidente, a realização da equiparação envolve requisitos complexos, uma instrução probatória robusta e um julgamento minucioso. A abordagem é restritiva e criteriosa. Portanto, mesmo que a fiscalização imposta pela nova lei constate desigualdade, esta deverá ser submetida à explanação extremamente subjetiva de suas causas e passará pelo filtro do mencionado artigo 461, que também servirá como parâmetro para a aplicação das novas multas.

Sendo assim, a premissa da igualdade no plano teórico-legislativo, embora tenha objetivo nobre, apresenta caráter ilusório. Em outras palavras, não é a elaboração de mais leis que mudará o cenário de desigualdade salarial entre homens e mulheres no Brasil. Afinal, se não comprovado o preenchimento das condições aqui expostas, não se obterá êxito algum.

Esse tema é de cunho cultural, além de delicado e muito complexoo que exige densa discussão. Contudo, é preciso entender o abismo que separa a “letra morta” da realidade, uma vez que a criação de mais normas para a proteção do mercado de trabalho da mulher pode gerar, na prática, impactos adversos e até mesmo efeito rebote.

Finalmente, por mais distópico que o discurso pareça ser, verdade seja dita: a sanção da Lei nº 14.611/23 apresenta conteúdo redundante, logo, a concretização da equiparação salarial pelas vias propostas continua infactível.

Lara Fernanda de Oliveira Prado é sócia da área cível e trabalhista no Diamantino Advogados Associados.

 

ConJur – Lara Prado: A promessa vazia da Lei 14.611/23

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