Banana boat: o STF e a revisão da coisa julgada

Banana boat: o STF e a revisão da coisa julgada

Por Guilherme Saraiva Grava e Savio Nascimento da Silva                                                                                                                    

Ficou célebre o voto do ministro Humberto Gomes de Barros ao definir, em um julgamento no Superior Tribunal de Justiça, que o tratamento da segurança jurídica no Brasil funcionaria mais como um banana boat do que como um farol. Em vez de orientar, precedentes judiciais parecem querer derrubar o contribuinte a qualquer custo.

Com a decisão do STF nos Temas 885 e 881, a imagem volta à cabeça de empresas e empresários de todo o País. Isso porque, agora, o Supremo passou a entender que processos já julgados podem ser revistos para “desfazer” decisões definitivas e tornar exigíveis tributos que não eram pagos.

Como não poderia deixar de ser, a decisão causou um rebuliço imediato. Mesmo assim, embora muito se fale sobre o tema, a única certeza que se tem no momento é a de que é cedo para saber as respostas às principais dúvidas que o precedente levanta. Afinal, a decisão ainda não foi publicada e os impactos não foram medidos. Tudo é muito incipiente.

É possível, desde logo, fazer muitas críticas a esse cenário de indefinição – mais um fator de complexidade à já difícil gestão de tributos no Brasil. De qualquer modo, para que o debate avance, é preciso tentar estabelecer, mesmo no contexto atual, as bases do que a Corte efetivamente decidiu. Para isso, é importante retomar alguns pontos.

O primeiro aspecto a destacar é que o entendimento do Supremo envolve, essencialmente, tributos de “trato sucessivo” – que são aqueles que o contribuinte tem que pagar periodicamente, como é o caso da CSLL.

Portanto, uma disputa antiga a respeito de um tributo cobrado no passado (digamos, o imposto sobre uma herança ou sobre uma venda de um imóvel) não é afetada pela decisão de agora.

Desse modo, a pergunta que o STF procurou responder foi: pode um contribuinte que teve decisão favorável no passado deixar de pagar um tributo periódico indefinidamente? Pela tese vencedora, a resposta é “depende”.

Se o contribuinte tiver a seu favor uma sentença que, digamos, o exonere do dever de pagar um tributo, essa decisão continuará valendo enquanto as circunstâncias se mantiverem as mesmas. Não houve mudança aqui.

De outra parte – e esta é a inovação – caso o Supremo venha a declarar no futuro que aquele tributo é devido por todos, então isso valerá para a generalidade dos contribuintes, inclusive afetando aqueles que tiveram sentenças favoráveis no passado.

E este é o segundo ponto a considerar: as decisões do STF que poderiam afetar os casos já julgados seriam somente aquelas com eficácia além das partes envolvidas no processo, ou seja, decisões em controle concentrado de constitucionalidade ou aquelas em recursos com repercussão geral.

Pensando os efeitos jurídicos desse entendimento, pode-se dizer que o STF, mais uma vez, procurou reforçar seu papel de Tribunal Constitucional – ou, em um olhar mais crítico, seu papel análogo ao de um “legislador”.

Desse modo, quando a Corte tomar decisões de efeitos gerais sobre um tributo de “trato sucessivo”, a decisão valerá como lei nova: dali para frente, tudo o que se disse devido será devido por todos, indistintamente.

Um terceiro aspecto do que se definiu é que a decisão nova não serviria para “desfazer” o que se julgou no passado. Na realidade, o que seriam alcançadas seriam as cobranças do tributo no momento imediatamente posterior à decisão do STF, que, a partir daquele momento, passaria a vincular todos.

A revisão destes pontos não diminui o impacto dessa nova tese do Supremo. Ao contrário, ao se observar o tema com mais nitidez, tem-se exposto seu aspecto problemático, que é o seguinte: como o STF e os demais tribunais irão se utilizar desta nova ferramenta? Como as Cortes vão medir os efeitos de decisões já tomadas e daquelas que serão tratadas no futuro?

Mesmo que bem-intencionada, procurando uniformizar o tratamento tributário para todos, a verdade é que esta nova tese traz grandes dificuldades. Enquanto no meio acadêmico se debate se o precedente é ou não uma relativização da coisa julgada, no mundo real contribuintes estão pressionados a tomar decisões de risco sem saber ao certo como agir.

Se há uma crítica séria a se fazer é a de que, qualquer que seja o teor do debate teórico, o efeito prático que se tem é o de que decisões, antes estabilizadas, agora enfrentam uma nova fonte de desestabilização, que é a mudança de entendimento na jurisprudência dos Tribunais.

Ainda não é certo o escopo desta nova prerrogativa no âmbito do Judiciário. Afinal, decisões do STJ também podem afastar a coisa julgada se mudarem a forma de interpretar e aplicar a legislação federal? E os Tribunais Estaduais – seus julgamentos ao rever a constitucionalidade de leis dos Estados funcionarão, em nível local, como os precedentes do STF em plano nacional?

É interessante notar que no mesmo dia em que o Supremo formava sua opinião a respeito do tema, o STJ já aplicava a nova sistemática ao julgar um processo que reestabelecia a cobrança do IPI na revenda de produtos importados (Ação Rescisória 6.015/SC).

Este novo elemento de incerteza traz consigo uma nova camada de preocupações na gestão riscos tributários às operações. É um ônus adicional cujo impacto só poderá ser de fato medido ao longo do tempo.

Uma intervenção legislativa talvez seja necessária – e esforços nesse sentido já ocorrem. É difícil imaginar a saída desse cenário sem um regime de transição. Mas, sendo o caso, o resultado não deixa de ser irônico: o País da complexidade tributária, ganhará ainda mais regras.

Guilherme Saraiva Grava é sócio Tributário e Savio Nascimento da Silva, trainee no escritório Diamantino Advogados Associados

 

 

Banana boat: o STF e a revisão da coisa julgada – Estadão (estadao.com.br)

 

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