Mudanças no Perse e insegurança jurídica

Mudanças no Perse e insegurança jurídica

Por Guilherme S. Grava e Gustavo Vaz Faviero                                                                             

A concessão de benefícios fiscais, criando vantagens ou desagravamento tributário, deveria seguir a lógica da simplificação. Ao desonerar determinados setores da economia, o Poder Público tem o potencial de reverter, estrategicamente, diferentes cenários de crise, estimulando o desenvolvimento de empreendimentos relevantes ao país.

Ocorre que as constantes mudanças nas regras do jogo, muitas vezes realizadas por meio de iniciativas infralegais, comprometem essa finalidade, gerando incertezas para o contribuinte e proliferando o número de ações judiciais evitáveis. O que era para ser uma vantagem se torna uma dor de cabeça.

É exatamente isso o que vem ocorrendo com o Programa Emergencial de Retomada do Setor de Eventos (Perse). A iniciativa, cujo nome remete à ideia de “perseverança”, vem se demonstrando uma verdadeira armadilha às empresas que, de beneficiárias, podem repentinamente se tornar alvos de autuações indesejadas.

Como se sabe, as medidas restritivas à circulação que foram necessárias no contexto de crescimento da covid-19, geraram consequências negativas ao segmento de eventos. Este, em particular, foi um setor severamente impactado nas suas diferentes áreas – turismo, festas, e até eventos corporativos. Muitos negócios foram encerrados e diversos postos de trabalho foram fechados.

Nesse sentido, a desoneração criada pelo Perse, reduzindo temporariamente a 0% as alíquotas de PIS, Cofins, IRPJ e CSLL, foi recebida como uma importante e bem-vinda iniciativa de retomada do setor.

Com essa vantagem as empresas viram diante de si um cenário para criar melhores condições para a recuperação e retomada das atividades.

Contudo, embora a proposta seja louvável, sua implementação não é isenta de críticas, já que desde a promulgação da lei os contribuintes vêm sendo surpreendidos por reviravoltas na regulamentação que, na prática, têm restringido o acesso e o escopo do programa.

A primeira delas veio com a Portaria nº 7.163/2021, do Ministério da Economia, que criou duas regras novas que não existiam no texto legal original. Uma foi a limitação do enquadramento no benefício às empresas inseridas num rol específico de CNAEs indicados no novo documento. Outra foi a exigência de um prévio registro no Cadastur às empresas de turismo.

De fato, vincular o benefício ao CNAE torna mais objetivo o processo de concessão. Efetivamente, porém, o que ocorreu é que diversas empresas antes inseridas no conceito amplo de “setor de eventos” passaram, do dia para a noite, a ficar fora do Perse – sendo especialmente afetados os negócios não previamente registrados no Cadastur.

Uma segunda inovação impactante foi a da Instrução Normativa RFB nº 2.114/2022 que, mais uma vez, em total desprendimento das regras fixadas pela lei, alterou completamente o funcionamento original do programa.

Enquanto a lei concedia desagravamento às empresas inseridas no setor de eventos, a IN passou a tratar como beneficiadas somente um rol limitado de receitas que, para o Fisco, seriam aquelas ligadas às atividades mais severamente impactadas pela crise.

Independentemente do que se possa pensar a respeito desta nova forma de interpretar o benefício, esta segunda mudança foi extremamente drástica, esvaziando de sentido o sistema que foi debatido e aprovado pelo Congresso.

Isso gerou uma nítida fragilidade: sem amparo em lei, estas novas restrições tinham legalidade muito questionável. Eis que surge, então uma terceira grande mudança, desta vez pela Medida Provisória nº 1.147/2022.

O novo texto já surge com a missão de dar ares de legalidade a esta nítida contradição: de um lado, mantém o rol original de empresas que podem se enquadrar no programa; de outro, passa a incorporar as regras questionáveis da IN, alterando o escopo do programa para beneficiar um rol limitado de receitas de um rol limitado de empresas. Na prática, transfere-se ao Executivo a prerrogativa exclusiva de definir quais são as atividades contempladas pela redução de carga tributária.

Neste contexto de discussões sobre reformas, o caso do Perse é um bom lembrete do que não fazer. O que era para ser um programa amplo tem se tornado diminuto; o que era para gerar segurança tem gerado contencioso; o que deveria simplificar a vida do contribuinte, acabou por complicá-la.

É preciso rever este modo um tanto atabalhoado de conceder benefícios fiscais – o sistema tributário brasileiro já é complexo o suficiente.

Insatisfeito, o Executivo, em vez de aplicar a lei definida pelo Congresso, sai da sua esfera de competência para alterar por vias infralegais o texto legal.

Inseguros, contribuintes se vêm forçados a ingressar com ações judiciais para discutir temas tão básicos quanto “posso ser contemplado por este benefício?” ou “quais das minhas receitas estão desoneradas?”.

Abarrotado, o Judiciário, atola-se de ações desnecessárias que continuarão tramitando por anos e anos a fio.

O Perse, como benefício fiscal tão fundamental na retomada da covid-19, segue indefinido. Por ora, sua real eficácia tem sido a de criar inseguranças jurídicas. Resta-nos aguardar a reação do novo Congresso Nacional e a interpretação do Judiciário a estas novas manobras do Executivo. Enquanto isso, a novela tributária continua.

Guilherme Saraiva Grava e Gustavo Vaz Faviero são, respectivamente, sócio da área tributária; e sócio e coordenador da área tributária no escritório Diamantino Advogados Associados.

Mudanças no Perse e insegurança jurídica | Legislação | Valor Econômico (globo.com)

Outras Notícias

São Paulo notifica milhares de contribuintes por falta de pagamento do imposto sobre doações
Plenário da Câmara dos Deputados aprova projeto de regulamentação do novo sistema de impostos sobre consumo
Justiça Federal derruba cobrança de impostos sobre benefício fiscal de ICMS
Fique Sempre Por dentro
Cadastre-se na nossa newsletter
powered by Logo