ONG falsifica dados oficiais para vigiar empresas brasileiras
Empresa voltada para a defesa do agribusiness do Hemisfério Norte, a Global Witness assinou, esta semana, um artigo na Folha de S.Paulo. O objetivo da “réplica!” sem autor foi confrontar outro texto, publicado em dezembro do ano passado no mesmo jornal.
Na ocasião, consultor no ramo do agronegócio, Otávio Cançado tentou desconstruir ataques da empresa anglo-americana à indústria brasileira de proteína. Em síntese, os concorrentes estrangeiros sustentam que as maiores empresas brasileiras produzem em área desmatada, enquanto os nacionais negam.
No campo jurídico, o debate se dá em torno de uma tese: se as Guias de Trânsito Animal (GTAs) são documentos públicos ou se são protegidas como documentos fiscais e outros dados particulares das empresas. A Global Witness, para amparar sua tese, invocou dois fundamentos: um voto do ministro Edson Fachin (STF) e um link que, teoricamente, exporia o banco de dados das GTAs ao público.
O especialista em Direito Agrícola, Eduardo Diamantino, rechaça o primeiro fundamento. “O ministro Fachin não fez juízo de valor sobre o caráter público das GTAs”, afirma. O voto em questão tratava de acusação contra o senador Renan Calheiros e uma imputação de recebimento de propina — da qual ele foi absolvido (leia o voto).
Diamantino vai além. A questão sobre o caráter das GTAs, diz ele, já foi solucionada em 2017 pelo Ministério da Agricultura em consulta do Ministério da Transparência. A Nota Técnica esclarece que “tanto os dados cadastrais quanto de GTAs contêm informações de natureza pessoal, de modo que não são de interesse coletivo ou geral”. Tampouco, portanto, de concorrentes para fins de espionagem industrial.
Outro especialista no campo, o advogado Celso Luchesi, referenda o tratamento das guias: “É um mecanismo de controle e rastreabilidade do ministério, não teria sentido a divulgação pública automática e com todos os detalhes”, argumenta, para concluir. “Teria que haver uma solicitação expressa e, ainda assim, duvido que ocorreria a entrega dos dados.”
A proteção, no âmbito privado, das GTAs, argumenta o advogado Gustavo Vaz Faviero, ocorre até mesmo sob a égide da Lei Geral de Proteção de Dados, quando estende seu manto ao “tratamento de dados pessoais, inclusive nos meios digitais, por pessoa natural ou por pessoa jurídica de direito público ou privado, com o objetivo de proteger os direitos fundamentais de liberdade e de privacidade e o livre desenvolvimento da personalidade da pessoa natural”.
A pergunta a ser respondida agora não é sobre o tratamento jurídico das GTAs, mas sobre como a Global Witness obteve os dados privados da produção agrícola de suas concorrentes no Brasil.
Revista Consultor Jurídico, 5 de fevereiro de 2021, 15h53