O STJ e a polêmica sobre a recuperação judicial de empresário rural
Especialistas analisam decisão que pode causar insegurança jurídica para quem vive no campo
Advogados especialistas em recuperação judicial e agronegócios estão divergindo sobre a decisão da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ). Os ministros decidiram que empresário rural, embora precise estar registrado na Junta Comercial para requerer a recuperação judicial, pode computar o período anterior à formalização do registro para cumprir o prazo mínimo de dois anos exigido pelo artigo 48 da Lei 11.101/2005.
Com a decisão, as duas turmas de direito privado do STJ passam a ter uma posição unificada sobre o tema. O REsp 1.800.032 foi analisado pela Quarta Turma.
Para o vice-presidente da Academia Brasileira de Direito Tributário (ABDT) e especialista em Agronegócios, Eduardo Diamantino, a decisão foi acertada. “Obrigar a antiguidade do registro na Junta de quem exerce a atividade de empresário rural é requisito burocrático que só atendia aos credores (bancos) na busca incessante por lucratividade. Dessa vez, o campo ganhou. Resta acompanhar a tramitação da nova lei de Recuperação Judicial para que o benefício permaneça lá”, avalia o advogado.
Já Antonio Carlos de Oliveira Freitas, especialista em Recuperação de Créditos e sócio do Luchesi Advogados, discorda. “Não entendo que a mencionada decisão tenha, de fato, consolidado a posição do STJ. Trata-se de acórdão de novembro de 2019, do caso do Pupin, mas não vejo como uma pacificação da matéria. De toda forma, é lamentável o entendimento do STJ, pois demonstra que está dissociado do que ocorre na dinâmica comercial do cotidiano dos negócios jurídicos do complexo agroindustrial”, critica.
“A situação na verdade consolida uma insegurança jurídica sim. Tal permissão – de acolhimento do pedido de recuperação judicial por produtor rural pessoa física, mesmo sem dois anos de registro na Junta Comercial – deverá ainda ter respaldo do projeto de lei que altera a Lei de Falência e Recuperação Judicial, trazendo aumento de custos de transação, com repercussão no custo do crédito para o setor. Infelizmente no Brasil quem é credor acaba por se transformar em vilão, numa visão maniqueísta que não deveria ser cristalizada nesse sentido. Não adianta avançar em leis para trazer instrumentos modernos para financiamento do setor e, de outro lado, incutir elevado grau de incerteza em desfavor de quem financia esse ramo de atividade econômica”, afirma o advogado.
Segundo o advogado Domingos Fernando Refinetti, sócio da área de Recuperação Judicial do WZ Advogados, a decisão do STJ acentua o problema crônico da insegurança jurídica no Brasil. “Isso, porque o crédito, por exemplo, foi concedido sob um cenário e vai acabar sendo enquadrado em outro, retroativo e extremamente desfavorável para o credor. Evidentemente, os agentes econômicos vão precificar essa nova circunstância para o futuro e poderão ser mais exigentes no que tange à exigência de que os produtores rurais passem a obter o respectivo registro perante as suas Juntas Comerciais. De outro lado, fica uma perda irreparável no que concerne aos créditos concedidos para produtores rurais anteriormente à decisão, os quais, agora, passarão a se valer da recuperação judicial relativamente a créditos que lhes foram concedidos sob a guarida pura do direito civil”.
Por sua vez, o advogado José Roberto Cortez, especialista em Direito Empresarial e sócio fundador do Cortez Advogados, destaca que por uma construção jurisprudencial o STJ entendeu que o produtor rural que exerça sua atividade econômica de forma regular, embora esteja registrado na Junta Comercial há menos de dois anos, tem também direito a requerer a recuperação judicial, alcançando seus ativos e passivos ao período anterior ao registro na Junta. “Trata-se de decisão pacificada no STJ que, neste tempo de grave situação econômica, permite também ao produtor rural minorar os efeitos da grave crise”, afirma Cortez.
Na avaliação do advogado Marcus Vinícius Vita, sócio de Wald, Antunes, Vita, Longo e Blattner Advogados “O julgamento da Terceira Turma, relatado pelo Ministro Marco Aurélio Bellize, além de ir ao encontro do quanto já decidido pela quarta turma, e, assim, unificando o entendimento da segunda seção, observa o moderno conceito de empresa, assim compreendida como a unidade geradora de empregos, renda e tributos, ainda que sem registro na junta comercial. A ausência de registro, como muito bem salientado pelos Ministros da Terceira Turma, não é indicativo de irregularidade, mas sim de opção do produtor rural em se submeter às leis comerciais, e não mais ao código civil. Uma vez feito o registro, bastará a demonstração de exercício da atividade rural por dois anos anteriores ao pedido de recuperação”.