A transação tributária “excepcional” na cobrança da Dívida Ativa da União
No dia 17 de junho deste ano foi publicada a Portaria PGFN n° 14.402, de 16 de junho de 2020, que estabelece condições para a transação excepcional na cobrança da Dívida Ativa da União (DAU), em função dos efeitos da pandemia causada pelo novo Coronavírus na perspectiva de recebimento de créditos inscritos. Os maiores benefícios poderão ser aproveitados por Pessoas Jurídicas, Pessoas Físicas, empresários individuais, microempresas, empresas de pequeno porte, instituições de ensino, Santas Casas de Misericórdia, cooperativas e demais organizações de sociedade civil, que, além da possibilidade de parcelamento, poderão contar com descontos em seus débitos.
O objetivo maior da nova Portaria é possibilitar a renegociação de dívidas com a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN), para viabilizar a superação da situação transitória de crise econômico-financeira dos devedores inscritos em DAU decorrente da pandemia da Covid-19. Mas vale as seguintes reflexões: A situação daqueles que não tinham dinheiro para pagar seus débitos vai ser solucionada apenas com a oferta de descontos? Ou isso seria apenas uma “jogada de mestre” da PGFN para tentar receber dinheiro nesses tempos de crise?
Para começar, vamos deixar claro o que é a transação excepcional, de que trata a Portaria. É o serviço que possibilita ao contribuinte pagar os débitos inscritos em DAU com benefícios, como entrada reduzida, descontos e prazos diferenciados, conforme a sua capacidade de pagamento, para débitos de até R$ 150 milhões. Mas só até R$ 150 milhões? Os (muitos) sujeitos que possuem dívidas acima deste valor poderão solicitar o serviço “Acordo de Transação Individual”.
Além do limite de valor, há outra condição: apenas os débitos administrados pela PGFN (em fase de execução ajuizada ou objeto de parcelamento anterior rescindido, com exigibilidade suspensa ou não) e inscritos em DAU poderão se valer desse “benefício”. Ou seja, algo que era uma das opções passíveis de parcelamento previsto pela Lei 11.941, de 27 de maio de 2009, passou a ser a única opção para a nova Portaria. Ademais, ao contrário da lei, que permitia o parcelamento de todas as dívidas não tributárias que estivessem inscritas em DAU, a Portaria não alcança os débitos de multas criminais. Débitos junto ao FGTS e apurados pelo regime tributário do Simples Nacional também não serão passíveis de transação excepcional. Estes últimos já eram inalcançáveis pela Lei n° 11.941, sob a justificativa de que o Simples Nacional inclui tributos cuja competência para instituição é dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, não podendo, portanto, a União editar leis que prevejam reduções para tais tributos.
Para, então, dar início ao processo, a Portaria mensura o grau de recuperabilidade dos créditos inscritos na DAU, se baseando na situação econômica e na capacidade de pagamento dos devedores inscritos. A situação econômica é verificada a partir das informações cadastrais, patrimoniais ou econômico-fiscais, prestadas pelo devedor, ou por terceiros, à PGF ou aos demais órgãos da Administração Pública. Decorrente da situação econômica, a capacidade de pagamento é calculada mediante o potencial que o contribuinte tem de efetuar o pagamento integral dos débitos inscritos, no prazo de cinco anos, sem descontos, considerando os impactos da pandemia na capacidade de obtenção de resultados da Pessoa Jurídica ou no comprometimento da renda das Pessoas Físicas. Cada caso é avaliado individualmente, para que a adesão ocorra em modalidade mais adequada.
Com relação aos impactos na capacidade de geração de resultados, considera-se, para Pessoas Físicas e Jurídicas, a redução, em qualquer percentual, em relação à soma da receita bruta mensal do mesmo período de 2019 (apurada na forma do artigo 12, do Decreto-Lei n° 1.598, de 26 de dezembro de 1977), da soma da receita bruta mensal de 2020, com início no mês de março e fim no mês imediatamente anterior ao mês de adesão. O percentual de impacto observado será utilizado como redutor da capacidade de pagamento do contribuinte. Quando a capacidade de pagamento do contribuinte não for suficiente para liquidação integral de todo o passivo fiscal inscrito em DAU, os prazos e os descontos ofertados pela PGFN serão graduados de acordo com a possibilidade de adimplemento dos débitos, observados os limites previstos na legislação de regência da transação.
Observada a capacidade de pagamento dos devedores e para os fins da transação excepcional, a Portaria, ao contrário do Refis, que nunca foi seletivo, classifica os créditos inscritos em DAU de acordo com a recuperabilidade que eles apresentam. Em ordem decrescente de possibilidade de recuperação, os créditos são classificados de A (sendo estes com alta perspectiva de recuperação) a D (sendo estes considerados irrecuperáveis). Irrecuperáveis são os créditos de titularidade de Pessoas Jurídicas com falência decretada, em recuperação judicial ou extrajudicial, em liquidação judicial ou em intervenção ou liquidação extrajudicial, independentemente da data de sua ocorrência. Em se tratando de inscrições parceladas, a adesão à proposta, assim como estabelecia a Lei 11.941/2009, fica condicionada à desistência do parcelamento em curso.
Além da possibilidade de parcelamento (com ou sem alongamento em relação ao prazo ordinário de sessenta meses, observados os prazos máximos previstos na Lei de regência da transação), a transação excepcional oferece também descontos aos créditos considerados irrecuperáveis ou de difícil recuperação pela PGFN. Tanto as características dos parcelamentos quanto os descontos ofertados estão, juntamente às modalidades de transação excepcional na cobrança da Dívida Ativa da União, estabelecidos no artigo 9° da Portaria. Os descontos são definidos pela capacidade de pagamento do optante e pelo prazo de negociação elegido, incidindo sobre o valor consolidado individual de cada inscrição na DAU.
Quanto ao procedimento, a transação excepcional na cobrança da DAU será realizada exclusivamente por adesão à proposta da PGFN, por meio do acesso ao portal REGULARIZE, através de prévia prestação de informações pelo interessado. O período para tanto é de 1º de julho a 29 de dezembro de 2020. No ato de adesão, o contribuinte terá conhecimento de todas as inscrições passíveis de transação e deverá indicar aquelas que deseja incluir no acordo.
Com relação aos débitos objeto de discussão judicial, a adesão fica sujeita à apresentação, exclusivamente através do portal REGULARIZE, no prazo máximo de 90 dias, contados da data de adesão, sob pena de cancelamento da negociação, de cópia do requerimento de desistência das ações, impugnações ou recursos relativos aos créditos transacionados, com pedido de extinção do respectivo processo com resolução de mérito. Esse prazo, em comparação com a Lei 11.941/2009, que fornecia 30 dias, foi alargado, podendo ser considerado um ponto positivo da nova Portaria.
No caso de devedor Pessoa Física cuja situação cadastral no CPF seja “titular falecido”, a adesão deverá ser realizada em nome do falecido, pelos sucessores ou seus representantes. Na hipótese de Pessoa Jurídica, o pedido de parcelamento deve ser apresentado pelo responsável perante o CNPJ. E se tratando de Pessoa Jurídica baixada ou inapta, a adesão ao acordo deverá ser realizada em nome da própria Pessoa Jurídica devedora, ou, de forma inovadora, em comparação com a Lei n° 11.941/2009, pelo titular ou qualquer dos sócios. O mesmo procedimento deverá ser observado no caso de cobrança de débitos redirecionada para o titular ou para os sócios, no qual o requerimento deverá ser realizado por estes em nome da Pessoa Jurídica.
Após a prestação das informações, a PGFN disponibilizará as propostas de transação de acordo com o perfil do contribuinte, para seu aceite. Compreende-se dois momentos:
- O primeiro é um momento de estabilização: o contribuinte, por 12 meses após a homologação, pagará parcelas de 0,33% ao mês do débito total já consolidado (com as reduções e descontos) – nesses 12 meses serão pagos 4% do total da dívida;
- O segundo é um momento de retomada: passados os 12 meses, para Pessoas Jurídicas, poderão ser concedidas até 72 parcelas adicionais, calculadas com base no faturamento do contribuinte, com oferta de descontos de até 100% sobre os valores de multas, juros e encargos, respeitado o limite de até 50% do valor total da dívida e a capacidade de pagamento do contribuinte; para Pessoas Físicas, o saldo poderá ser dividido em até 133 meses, com oferta de descontos de até 100% sobre os valores de multa, juros e encargos, respeitado o limite de até 70% do valor da dívida e a capacidade de pagamento do contribuinte.
Aceita a proposta, o contribuinte poderá realizar o pedido de adesão ao acordo e, somente após o pagamento da primeira parcela de entrada (até o último dia útil do mês que que realizada a adesão), a transação será homologada, o que também era requerido pela Lei 11.941/2009. O valor de cada parcela subsequente será acrescido de juros equivalentes à taxa Selic, acumulados mensalmente, calculados a partir do mês subsequente ao da adesão e o mês anterior ao do pagamento, e de 1% relativamente ao mês em que o pagamento for efetuado. A homologação fica condicionada, ainda, ao aceite do contribuinte ao compromisso de manter sua regularidade perante o FGTS e regularizar, no prazo de 90 dias, os débitos que vierem a ser inscritos em dívida ativa ou que se tornem exigíveis após a formalização do acordo de transação.
Algumas situações implicam a rescisão da transação, como: o descumprimento das condições, cláusulas e obrigações previstas na Portaria ou dos compromissos assumidos; o não pagamento de três parcelas consecutivas ou alternadas; a constatação, pela PGFN, de ato tendente ao esvaziamento patrimonial do devedor como forma de fraudar o cumprimento da transação, ainda que realizado anteriormente a sua celebração; a decretação de falência ou de extinção, pela liquidação, da pessoa jurídica transigente e a inobservância de quaisquer disposições previstas na lei de regência da transação.