Uma nova Inconfidência Mineira

Uma nova Inconfidência Mineira

Proposta de tributar as exportações é desastrosa

Eduardo Diamantino, Vice-presidente da Academia Brasileira de Direito Tributário e sócio da Diamantino Advogados Associados

A pauta atual no agronegócio é a morte da Lei Kandir. Anunciada pelo ministro Paulo Guedes, tem como consequência a tributação das exportações não manufaturadas ou semielaboradas.

A notícia faz com que voltemos a uma velha discussão, repetida e notória e para a qual já se conhece a resposta. A pergunta é se devemos tributar as exportações. E a resposta é um não, como será aqui explicado.

É uma discussão de contornos históricos. A primeira vez que se discutiu a tributação das exportações foi na Inconfidência Mineira, e lá se vão mais de 200 anos e alguns ordenamentos constitucionais.

As controvérsias atuais surgem porque todos tratam do tema no âmbito infraconstitucional, usando como base a Lei Complementar 87/96. No entanto, a correta leitura do problema deve ser dar à luz da Constituição Federal.

A Carta é categórica ao delimitar a questão no artigo 155, especificamente nos incisos II e X. O artigo, em seu inciso II, trata da competência dos estados para instituir impostos sobre circulação de mercadorias e prestação de serviços de transporte interestadual e intermunicipal. No X, diz que esses impostos não podem incidir sobre "operações que destinem mercadorias para o exterior, nem sobre serviços prestados a destinatários no exterior". A determinação constitucional não é pétrea, mas exige que o Congresso a reforme com votações de quórum qualificado, como veremos.

Politicamente, a discussão dos efeitos da Lei Kandir tem como pano de fundo a briga entre União e estados exportadores de não elaborados em virtude das perdas de receita que eles enfrentam desde 1996, quando começou a valer a desoneração das exportações. À época previu-se uma compensação financeira, a ser paga pela União aos estados. Entretanto, o governo não cumpriu sua parte, e os estados faliram.

Chegou-se, em 2003, a aprovar a emenda constitucional 42/03, que tratou da reforma tributária. O texto previa a edição de lei complementar para estipular a compensação pelas perdas estaduais. Depois de quase 13 anos, o Congresso não cumpriu essa determinação da emenda constitucional. Por conta da omissão, 16 estados recorreram ao Supremo Tribunal Federal. Ao julgar o caso em 2016, o STF deu 12 meses para o Congresso aprovar a lei complementar com as compensações. Em vão, porque, findo o período, o governo requereu mais 24 meses —solicitação pendente de julgamento.

Dado o impasse, Paulo Guedes decidiu ressuscitar a cobrança de impostos de exportação para gerar créditos. É a mesma tese que está contida na PEC 37, votada em novembro de 2017 pela Câmara e arquivada, sem apreciação do Senado, no final da legislatura, em 2018. Se prosperar, a ideia implicará o retorno da tributação de ICMS nas exportações.

O problema da solução é que ela medeia um conflito federativo, entre União e estados, sem levar em conta quem gera riquezas. Trata-se de decisão desastrosa, para não dizer irresponsável, que afetará o exportador em cheio –todos os lugares do mundo que tributaram exportações colheram resultados lamentáveis.

É de se dizer, ainda, que a pretendida cobrança possa ser considerada inconstitucional. Primeiro, porque não se trata de favor fiscal, mas de medida para garantir o desenvolvimento nacional e impedir a cumulatividade tributária, como reconheceu o STF no julgamento do recurso especial 627815. É um entendimento inclusive partilhado pela Organização Mundial do Comércio, que não considera a exoneração das exportações como subvenção.

É cedo para predições. Mas se prevalecer a disposição "hobbesiana" de cobrar exportadores, teremos os estados em situação muito parelha, guardadas as proporções, à dos mineradores da Vila Rica atingidos com a derrama fiscal. Não se quer uma nova inconfidência, mas desenvolvimento. Que o Congresso saiba entender seu papel na história. Senão, que o Supremo o faça.

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