2018: o ano que não terminou para a questão do Funrural

2018: o ano que não terminou para a questão do Funrural

Escrever uma retrospectiva sobre o que aconteceu com o Funrural em 2018 gera uma lembrança do título do livro de Zuenir Ventura: 1968 – O ano que não terminou. Aqui é semelhante: 2018 não terminou para o Funrural. E, sinceramente, não terminará. Convenhamos, a questão do Funrural é antiga.

Parecia ter sido resolvida em 2010 com o julgamento do RE 363.852 e em repercussão geral pelo RE 596.177, mas faltou um ponto a se decidir: com a entrada em vigor da Emenda Constitucional 20/98, que permitiu que o financiamento da seguridade social incidisse sobre o faturamento, a contribuição seria válida? Deveria ser reinstituída? Sete anos depois, com o julgamento do Recurso Extraordinário 718.874 em 2017, o problema se agravou profundamente. Esse julgamento reviu a jurisprudência do próprio tribunal e foi uma surpresa. Teve o condão de mudar todas as verdades e pós-verdades sobre o tema. Daí em diante foi só incerteza.

Nesse ano que se passou, dentro desse processo, se negou a modulação dos efeitos no primeiro semestre e, em novembro, ocorreu seu trânsito em julgado.

Do ponto de vista do produtor, restam três tipos de dor: 1) a dor de ser injustiçado pelo STF; 2) a dor de desconhecer a sua obrigação (ou seria dos adquirentes?); e 3) a dor de não saber o que fazer.

A questão ainda está muito longe de terminar. As demais questões relacionadas ao tema e de grande impacto não foram objeto de decisão pelo Supremo Tribunal Federal. Veja que continua faltando resolver a imunidade das exportações, a validade da resolução 15 do Senado Federal e a constitucionalidade da sub-rogação (sim, esse ponto não foi alterado no julgamento de 2017 e, em tese, permanece inconstitucional). Enquanto isso, aparecem decisões esparsas nas instâncias inferiores dando ganho de causa aos contribuintes. Processos que devem demorar mais alguns anos até voltarem ao STF.

No ano que terminou, a União apressou-se em oferecer um parcelamento aos assustados produtores rurais, atualmente em sua segunda versão, denominado PRR, que passou o ano sem alterações na sua estrutura. Quanto às datas de adesão, não se pode dizer o mesmo… O prazo era 28 de fevereiro de 2018, depois postergado para 30 de abril, novamente alterado para 30 de maio e depois para 30 de outubro. Agora, até o momento, o prazo era 31 de dezembro. Vejam que em termos de previsibilidade e segurança jurídica é algo espantoso: cinco datas distintas em um ano. Agora a parte mais surpreendente: existem fortes rumores de que o prazo será prorrogado via medida provisória para 2019.

A estratégia atual da Frente Parlamentar da Agricultura seria obter a prorrogação para depois cobrar a promessa do presidente eleito e tentar o perdão da dívida. Na prática, funciona assim: depois de lutar até o STF pela contribuição, a União voltaria atrás e abriria mão da cobrança do tributo. Se isso acontecer, vai contrariar a decisão que lhe deu ganho de causa. Vai abrir mão da cobrança de valores que está obrigada a cobrar. Afinal de contas, a tributação é ato vinculado!

É preciso ressaltar que não considero de boa qualidade a decisão do RE 718.874, mas, no atual momento, via Legislativo, abrir mão dessa vitória é no mínimo temerário sob a ótica da responsabilidade fiscal.

Existem ainda outras pérolas. Vale citar a ADI 6.027, proposta pela Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal do Brasil (Unafisco), que pretende suspender o parcelamento ofertado pela própria União, onde eles são funcionários. Ou seja, em vez de cumprirem o princípio da hierarquia e acatar as determinações que lhe são feitas, o caminho foi o questionamento.

Vale registrar que a adesão a esse parcelamento é baixíssima. Segundo dados divulgados, a arrecadação foi de R$ 325 milhões ante uma previsão de R$ 1,5 bilhão para o período. Uma coisa parece ser certa: nem a Receita nem os produtores querem o PRR. Uma rara unanimidade nessa questão.

Essa confusão em toda a questão pode ser explicada juridicamente como reflexo da crise institucional entre os três Poderes. O Legislativo, que deve editar as leis visando garantir segurança jurídica, procura relativizar as decisões judiciais. O Judiciário não é célere e claro em suas decisões. O Executivo, que deveria executar e cobrar a contribuição, não chega a uma conclusão sobre quanto e como cobrar.

Isso é grave a medida em que é o desrespeito ao pacto federativo, cláusula pétrea constante do artigo 2º da Constituição Federal. O princípio é justamente da harmonia entre os Poderes, que indica que, apesar da independência entre os Poderes da República, o sistema impõe freios e contrapesos para controle e cooperação mútua entre as funções desempenhadas. Busca-se, assim, o equilíbrio das instâncias governamentais para a concretização dos princípios constitucionais. Essa ofensa aqui notada é grave. A última vez que aconteceu entre nós foi relatado no livro de Zuenir Ventura: 1968 – O ano que não terminou.

2019: as primeiras obrigações do agronegócio

Mal iniciou o ano e o trabalho do produtor rural já começou, ainda que não seja no campo, e sim na imensa burocracia que inunda o setor agrobrasileiro. E o que é pior: só pra janeiro, no nível federal, são três obrigações novas. São elas:

a) até a próxima segunda-feira (14/1), o Cadastro de Atividade Econômica da Pessoa Física, disciplinado pela IN 1.828/18 da Secretaria da Receita Federal, passa a ser obrigatório para todas as pessoas físicas que se dediquem à produção rural, dentre outras atividades. Aqui é importante se atentar para o fato de que cada propriedade rural demanda uma inscrição no CAEPF. A partir daí, o governo passará a ter um importante instrumento de controle sobre a parte de obrigações sociais do setor;

b) até o final do mês, como já avisado anteriormente, a partir do exercício de 2019, o produtor rural, seja ele pessoa física ou jurídica, poderá optar pelo pagamento da contribuição ao Funrural ou, alternativamente, se submeter à contribuição incidente sobre a folha de salários, nos termos do artigo 22, I e II, da Lei 8.212/91. A legislação é clara: a opção se dará mediante o pagamento por uma das opções em janeiro de cada ano.

A forma correta de realizar essa opção é fazendo as contas de quanto a mão de obra é importante em sua atividade. Isso porque a regra geral continua sendo a incidência sobre o faturamento. Assim, caso não ocorra nenhum recolhimento pela folha, o direito de opção pode ser questionado. Esse exercício já foi feito?

c) importante ressaltar também que o Livro Caixa da Atividade Rural foi alterado pela IN 1.848/2018 e passou a se chamar Livro Caixa Digital do Produtor Rural. A rigor, seu prazo é concomitante a entrega da DIRPF, mas pra evitar maiores atropelos é necessário que seja desde já preenchido.

Eduardo Diamantino é sócio do Diamantino Advogados Associados e vice-presidente da Academia Brasileira de Direito Tributário.

Revista Consultor Jurídico, 10 de janeiro de 2019, 7h05

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