Regime jurídico da terceirização, em alguns casos, pode impedir a pejotização
Existe relação entre terceirização e pejotização? Recentemente, a imprensa noticiou que a Receita Federal fez 498 autuações relacionadas ao tema da “pejotização”. As autuações representam R$ 567 milhões em cobrança. Os dados revelam que o tema é foco das fiscalizações do Fisco.
Além disso, confirma essa afirmação o fato de que, em abril de 2016, a Receita Federal emitiu relatório intitulado O fenômeno da pejotização e a motivação tributária. Esse relatório conclui que a “pejotização deve ser tratada como forma artificial de adquirir os serviços intelectuais, especialmente os de profissões regulamentadas. Resulta na descaracterização da relação típica de emprego e na contratação da pessoa jurídica em substituição ao contrato de trabalho”.
Em geral, o efeito da constatação da pejotização pelo Fisco é a lavratura de auto de infração de contribuição previdenciária contra a pessoa jurídica contratante. Já o sócio da pessoa jurídica contratada sofrerá autuação de Imposto de Renda da Pessoa Física, haja vista que, de acordo com o entendimento da Receita, o rendimento não poderia ser tributado pelo regime da pessoa jurídica.
Já a terceirização entrou em pauta no início de 2017, quando foi editada a legislação que alterou seu regime jurídico. A principal inovação foi a possibilidade de terceirização de quaisquer das atividades de uma pessoa jurídica, inclusive a principal. A nova legislação ainda prescreve que “não se configura vínculo empregatício entre os trabalhadores, ou sócios das empresas prestadoras de serviços, qualquer que seja o seu ramo, e a empresa contratante”.
Para apresentar a conexão entre os dois temas, é necessário investigar os fundamentos utilizados pelo Fisco para se concluir que houve pejotização. A análise do relatório sugere duas situações, que podem ser cumulativas ou não.
A primeira situação se verifica quando o Fisco afirma que a utilização da pessoa jurídica foi utilizada para substituir/mascarar um contrato de trabalho. Nesse caso, estariam presentes, no “mundo dos fatos”, os requisitos previstos na legislação trabalhista para o reconhecimento do vínculo de emprego com o consequente efeito tributário.
A segunda situação ocorre quando o Fisco suscita a figura da “pessoa jurídica inexistente de fato”. Atualmente, existe previsão na legislação a respeito das situações (bem imprecisas, aliás) que configuram a “inexistência de fato” de pessoa jurídica. Nessa hipótese, o efeito da pejotização poderia ocorrer ainda que não estivessem presentes os requisitos para caracterizar o vínculo de emprego. Ora, se a pessoa jurídica “inexiste de fato”, restaria a pessoa física e o consequente efeito tributário.
Percebam a diferença. No primeiro caso, dissimula-se o contrato de trabalho. No segundo, a dissimulação é a prestação de serviço de uma pessoa física, ou, em outras palavras, a simulação é da própria pessoa jurídica. Portanto, pelo menos no entendimento do Fisco, nas duas situações, os contribuintes estariam a criar figura jurídica artificial para esconder uma outra, que seria a figura jurídica “real”.
De acordo com o relatório da Receita, a motivação para essa espécie de simulação é tributária, haja vista que, a princípio, o tratamento fiscal conferido aos contratos de trabalho ou mesmo a prestação de serviços realizado por pessoa física é mais oneroso do que a contratação de prestadora pessoa jurídica.
A descrição dos cenários permite visualizar a conexão entre a terceirização e a pejotização. É que, como visto, na primeira situação, a simulação seria para mascarar relação de trabalho. Não se estaria, portanto, diante da hipótese de “pessoa jurídica inexistente de fato”, mas a presença dos requisitos a caracterizar o vínculo de emprego seria suficiente para o reconhecimento da pejotização e, consequentemente, a aplicação dos efeitos dela decorrentes.
O problema com essa interpretação do Fisco é que a atual legislação sobre a terceirização expressamente prescreve que não se configura vínculo de emprego entre os empregados ou sócios da pessoa jurídica contratada e a empresa contratante. Em outras palavras, a lei reconhece que a relação jurídica de trabalho entre as citadas pessoas não existe.
E se a citada relação jurídica não existe, também não é possível dizer, nas situações descritas no presente texto, que ela está sendo simulada, mascarada ou escondida. Ora, é possível esconder algo que não existe? A lógica indica que não…
Para finalizar, é preciso deixar claro que terceirização e pejotização são figuras diferentes, mas o novo regime jurídico da primeira, em algumas situações, impedirá a ocorrência da segunda.
Cláudio Lopes Cardoso Junior é especialista em Direito Tributário do Diamantino Advogados Associados.
Revista Consultor Jurídico, 25 de abril de 2018, 6h29