Paralegais com regras rígidas

Paralegais com regras rígidas

Juristas defendem a necessidade de critérios bem definidos para que graduados em direito possam exercer a advocacia sem prévia aprovação nos exames da OAB. Projeto de lei que autoriza a prática, no entanto, está longe do consenso na classe

MARYNA LACERDA

A necessidade de definição de critérios bem rígidos para a atuação dos paralegais é unanimidade entre os advogados, sejam eles contra ou a favor do Projeto de Lei nº 5.749, de autoria do deputado Sérgio Sveiter (PSD-RJ). A proposta prevê que os bacharéis em direito desempenhem, por até três anos, algumas atividades jurídicas sem a aprovação no exame da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). Dessa forma, essa categoria profissional poderia participar da colheita de provas, acompanhar o andamento de processos e fazer pesquisa de jurisprudência. No entanto, assinar petições e representar o cliente perante o júri permanecem restritos aos advogados. Para que as funções não se confundam no dia a dia de um escritório de advocacia, juristas defendem detalhamento minucioso no texto antes da análise da matéria no plenário da Câmara dos Deputados.

A criação da figura do paralegal é vista com bons olhos pelo advogado Diamantino Silva Filho, sócio-fundador do Diamantino Advogados Associados e vice-presidente do Comitê Jurídico da Sociedade Rural Brasileira. “Entendo que a proposta é válida e viável. O paralegal ajudaria muito na busca de dados em cartórios, por exemplo, uma atividade que demanda tempo do advogado. Assim, o profissional com carteira da OAB pode se dedicar àquilo que lhe é próprio, ou seja, à parte de pensamento, de exame do teor e do conteúdo dos processos”, acredita. Para o jurista, a proposta aprovada na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), da Câmara dos Deputados, na última terça-feira, é uma forma de regularizar um campo de atuação que há muito já existe. “É um espécie de despachante, só que mais organizado e com mais técnica. Para que ele não incorpore atribuições típicas dos advogados, a norma deve conter responsabilização cível e criminal para o paralegal”, afirma.

O despachante é chamado solicitador, em países como Portugal e França (leia Para saber mais) e não necessariamente é ligado a algum escritório de advocacia. Nesses países, o contato se dá diretamente com o cliente. Por aqui, a proposta inicial é de que o paralegal atue na parte administrativa da empresa e sob tutela de um credenciado junto da OAB. A possibilidade é de que as grandes corporações na área se beneficiem desta categoria, acredita o criminalista David Rechulski. Para ele, essa é uma forma de manter no quadro de funcionários os estagiários que, ao fim do curso, não são aprovados no exame da Ordem. “Cria-se uma zona híbrida, que vai atender ao interesse dos grandes escritórios, que não vão precisar dispensar os estudantes ao se formarem”, avalia.

Rechulski destaca que o PL vai no contrafluxo do primor profissional que OAB tem buscado. “Escuto dos estagiários que a prova tem ficado cada vez mais difícil. Acredito que a ordem tem de ser mais rígida, mesmo porque, no direito, os bens que estão em jogo são bastante relevantes, como o patrimônio, a liberdade. Quanto mais criteriosa e qualificada a formação, melhor”, defende. Ele pondera que a medida é uma forma de acomodar o excedente de bacharéis que ficam sem possibilidade de atuar em razão da falta de credencial. “A criação do paralegal tem de ser feita com muito critério, pois hoje temos proliferação de faculdades de direito que não oferecem formação adequada. Todo mundo tem direito ao seu lugar ao sol”, considera.

Ainda que esteja imbuída de boa intenção, a proposta pode ser prejudicial ao exercício da profissão, na avaliação do tributarista Marcelo Guaritá. “Cria um profissional de segunda categoria e, com isso, uma cisão dentro da advocacia que não é benéfica”, opina. Ele considera que a prova aplicada pela OAB é um controle de qualidade, e não exigi-la é uma medida paliativa. “É uma burla ao exame. Se há algum problema, é em relação às faculdades. Não vejo a necessidade de se criar o paralegal”, diz.

Para saber mais

Prática sem diploma

Até a década de 1960, havia a figura do solicitador, que não tinha cursado direito, mas tinha prática jurídica. A ele era permitido acompanhar processos extrajudicialmente, defender interesses dos contratantes em órgãos e repartições públicas e recolher documentos para a constituição de algum negócio do cliente e oferecer assessoria jurídica.

Com a aprovação da primeira lei que regulamenta a profissão de advogado, em 27 de abril de 1963, a figura do solicitador é extinta. Esta categoria profissional ainda vigora em países como Portugal e França, em que o solicitador atua, principalmente, nas áreas cíveis e empresarial.

 

Ponto crítico

É a favor do projeto de lei que autoriza o bacharel em direito a atuar sem a aprovação no exame da Ordem por até três anos

SIM

» André Vidigal de Oliveira

O projeto de lei que trata da criação e regulamentação do paralegal vem em boa hora. Com efeito, há milhares de pessoas com excelente capacidade de trabalho que, por razões diversas, não estão autorizadas ao exercício da advocacia, mas que estão extremamente aptas para auxiliar o advogado. O estágio tem por escopo o aprendizado, e por e isso, deve sim ter um prazo e limite de duração. Não há problemas se o aprendizado da fase de estágio for exercido em auxílio ao advogado, enquanto o interessado não consegue a habilitação à advocacia. O paralegal jamais vai concorrer com o advogado, assim como o estagiário não concorre. Ambos auxiliam o advogado, sendo que, enquanto o estagiário tem por objetivo principal aprender, o paralegal vem para exercitar o que aprendeu, dentro das limitações funcionais que a lei lhe impõe. A propósito, sugiro que o projeto de lei seja lido antes que se façam críticas à instauração de tão importante instrumento de resgate e que sejamos suficientemente coerentes para aceitar que não é a lei que cria o paralegal, mas sim que a lei apenas vem reconhecer a realidade de que existem incontáveis bacharéis que auxiliam, e muito, os advogados.

Advogado

NÃO

» Rodrigo Badaró de Castro

O projeto que cria uma “espécie de advogado” sem OAB é prova da falta de sensibilidade e foco do parlamento a uma questão crucial, que é a necessidade de preservar o papel constitucional e importância do advogado, única profissão que orgulhosamente e expressamente é citada na Carta Magna. Talvez não suportando as pressões dos milhões de bacharéis que lutam pelo fim do exame da ordem, e com apetite natural pelos votos inerentes ao pleito, o Congresso tenta atender parcialmente aqueles “filhos” da falha do ensino, da falta de fiscalização dos cursos de direito e do abuso e descontrole de aprovações e licenciamento de faculdades de direito. No Brasil, já temos a figura regulamentada do estagiário e, em vez de se criar uma subclasse de advogados, o Congresso poderia e deveria lutar pela melhoria das faculdades, maior controle dos cursos e até em ultimo caso aumentar algumas prerrogativas e direitos existentes no estágio. O exame da OAB tem suas mazelas, sendo alvo de muitas críticas, mas continuamente vem se aprimorando e buscando exercer seu papel de servir como um controle mínimo de qualificação para aquele que é a personificação da justiça. Não podemos falar em justiça sem o advogado. E como falar em democracia e liberdade sem justiça?

 

Advogado

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