Vem aí a micareta tributária
Por Eduardo Diamantino
O presidente do Senado, ao aprovar a nova Emenda da Reforma Tributária, contou que “nos anos de 1980, o tributarista Augusto Becker escreveu um livro em que chamava nosso sistema de Carnaval Tributário, uma clara alusão à desordem que caracteriza o seu funcionamento”.
Disse ainda que “o Brasil não podia viver mais com atraso” e que a Reforma Tributária terminaria com a folia do Direito Tributário brasileiro. O que ele não avisou é que com o fim do Carnaval começa a micareta.
A Reforma Tributária sempre foi um chavão político sem grandes consequências práticas e há tempos repetido por políticos de esquerda e de direita que jamais se esforçaram para que ela se efetivasse. O mantra era a “simplificação” e a “redução de carga”.
Com a eleição de Lula para seu terceiro mandato, porém, a reforma tributária passou a ser tema central. Previsível: governo sem caixa e Estado com crescimento desproporcional casam bem com um aumento de carga tributária.
Assim, enquanto a PEC-45 Originária permaneceu por meses sem evolução durante o ano de 2019 e sem movimentações relevantes por 3 anos (de 11/2/2020 até 8/3/2023) na Câmara dos Deputados, com o governo Lula, foi aprovada em ambas as casas do Congresso em apenas 9 meses.
A maneira açodada de condução do processo pode ser certificada pelo número de emendas apresentadas e pelo número de emendas aprovadas. Somente no Senado, no período de 3 de agosto a 7 de novembro de 2023, foram protocoladas 802 e aprovadas 255, o equivalente a 31,7% do total.
Essa enorme quantidade de emendas reforça o fato de o texto ser muito ruim, repleto de lacunas e de prejudicar diversos setores da economia, como o agropecuário. As redações são confusas, trazem insegurança nas suas possíveis interpretações que, muitas vezes, dependerão de legislação infraconstitucional para sanar eventuais questionamentos.
Dentre outras pérolas, a transição de sistemas será longa, em torno de 10 anos. Além disso, haverá confluência de tributos do atual sistema com o novo por um determinado período, acrescendo-se o IBS, a CBS e o IS aos já existentes ICMS, ISS, PIS e Cofins. Então, na próxima década, vamos conviver com dois sistemas de tributos sobre consumo: onde está a tão aclamada “simplificação”?
Ademais, embora a instituição de um IVA, a princípio, possa parecer benéfica, um IVA Dual da forma pretendida pelo projeto provavelmente nos fará ter o maior IVA do mundo, com alíquotas que serão somadas entre si (IBS e CBS) e ainda serão definidas, em uma complexa operação aritmética.
Alguns setores que sempre foram a base eleitoral do atual chefe do Executivo (indústria automobilística) devem ter redução de carga. Opositores históricos, como o agro, terão aumento de carga. A inadequação da alíquota desse setor é patente e, sem dúvida, vai lhe retirar competitividade.
Os serviços comuns, de outro lado, sofreram um forte acréscimo na carga tributária, saindo de um ISS de 2 a 5% que, acrescido de um PIS/Cofins de 3,65% no regime cumulativo, não chegava a 9% de carga tributária, para um aumento estimado de 19,25% de tributação.
Será possível repassar esses custos? Haverá uma retração na economia? A volta à informalidade será o caminho? Quem pagará a conta?
Tudo isso será ainda especificado em lei complementar. É aí que a folia começa: definir o funcionamento dos regimes diferenciados, a composição da cesta básica e o que são insumos agropecuários vai gerar muita discussão.
Assim, se o Carnaval acabou, a micareta está prestes a começar; e, diferente da festa de Momo, essa dura o ano todo…
Salve-se quem puder!
Eduardo Diamantino é tributarista especializado em agronegócio e sócio do Diamantino Advogados Associados.