Piso da enfermagem traz incerteza jurídica e financeira

Piso da enfermagem traz incerteza jurídica e financeira

Por Lara Fernanda De Oliveira Prado                                                                                                                        

A Lei 14.434, de 2022, fixou o piso salarial da enfermagem em R$ 4.750 para enfermeiros, R$ 3.325 para os técnicos de enfermagem e R$ 2.375 para auxiliares e parteiras. No entanto, um aumento salarial abrupto e homogêneo, tal como é, impacta financeiramente diversos setores econômicos, o que pode acometer desde o profissional e entidades patronais até o consumidor.

Estudos sobre a relação entre o piso nacional proposto e os salários vigentes no país revelaram que a maioria dos vínculos formais recebia salários abaixo do piso, e demonstraram uma diferença regional significativa, com percentuais maiores de profissionais recebendo muito abaixo do piso em certas regiões.

Outrossim, o setor privado enfrenta desafios adicionais, considerando que não possui a mesma cobertura de recursos da União. Como alternativas a isso cogita-se falências, demissões em massa, aumento da informalidade e da “pejotização”, além de reflexos nos custos dos planos de saúde.

A implementação precoce da Lei 14.434/22 fez com que o Supremo Tribunal Federal passasse a legislar, no intuito de amenizar os impactos na população. É nesse contexto que se desdobra a ADI 7222, impetrada pela CNSaúde em 2022. Na ação foi pedida uma liminar de suspensão da lei, alegando, principalmente, lesão ao princípio federativo e risco de desemprego e falências no setor.

A medida foi deferida pelo ministro Roberto Barroso, que determinou a necessidade de indicação de fonte de custeio e abriu prazo para esclarecimento dos impactos financeiros, riscos de demissão e de redução na qualidade dos serviços. Mais tarde, após a promulgação da Emenda Constitucional 127/22 e a sanção da Lei 14.581/2023, as quais têm o condão de prever o financiamento da diferença salarial decorrente do novo piso salarial, Barroso revogou a liminar concedida por ele, restabelecendo os efeitos da Lei 14.432/22.

Não obstante, o julgamento da ADI no plenário logo foi novamente paralisado, com pedido de vista do ministro Gilmar Mendes, e, quando retomado, Barroso proferiu voto complementar conjunto com Gilmar. Tal voto foi uma inovação jurídica histórica, vez que nunca havia ocorrido um “voto complementar conjunto”. Em seguida, Cármen Lúcia e André Mendonça partilharam do mesmo entendimento.

Dias Toffoli, Alexandre de Moraes, Luiz Fux e Nunes Marques divergiram em alguns pontos, enquanto Edson Fachin e Rosa Weber divergiram totalmente, formando minoria para estabelecer a aplicação imediata do piso. Entretanto, após intenso debate sobre as teses divergentes no Supremo, foi publicada na noite desta segunda-feira (3) a proclamação do resultado do julgamento, prevalecendo o disposto no primeiro voto, o de Barroso, Gilmar, Cármen e Mendonça.

Diante disso, ficou fixado que, no setor público, a União deve seguir o disposto na lei. Quanto aos estados e municípios, caso haja insuficiência de recursos para garantir o pagamento do setor público, filantrópico, e nas contratações privadas que atendam um mínimo de 60% do SUS, a União terá a responsabilidade de fornecer crédito suplementar.

Esse crédito será financiado pelo cancelamento de dotações, como as destinadas ao pagamento de emendas parlamentares individuais ao projeto de lei orçamentária voltadas para serviços públicos de saúde, ou direcionadas a outras emendas parlamentares (incluindo as do Relator-Geral do Orçamento). Isto é, os recursos que seriam destinados a fins diversos, como investimentos em construção de hospitais e infraestrutura, serão reduzidos ou cancelados em detrimento do pagamento do piso salarial.

Frisa-se, no voto, que se a União não providenciar tal crédito suplementar, os entes não serão obrigados a efetuar o pagamento do piso salarial. Ainda, ficou estabelecido para os servidores públicos que poderá haver redução do piso proporcional à carga horária realizada, caso essa seja menor que 44 horas semanais ou 8 horas diárias.

Já no setor privado, a prévia realização de negociação entre as partes será exigência imprescindível, levando em conta a preocupação com demissões em massa ou prejuízos para os serviços de saúde. Se não houver acordo em 60 dias contados da data da publicação da ata do julgamento do STF, incidirá o disposto na Lei do Piso da Enfermagem. Assim, considerando o resultado proclamado, a iniciativa privada já deve começar as negociações com os funcionários celetistas para conseguir cumprir o prazo.

Nesse cenário termina o julgamento da cautelar, que validou a revogação da suspensão da Lei do Piso da Enfermagem, com a imposição de novas diretrizes. Contudo, a discussão está longe de acabar, mesmo porque, logo, o mérito da ADI 7222 passará a ser analisado.

Fato é que a ausência de fontes seguras de custeio para uma proposta que envolve despesa corrente de caráter continuado e a falta de uma transição gradual com avaliação acurada das desigualdades regionais agora se materializam em uma latente insegurança financeira e jurídica.

Lara Fernanda de Oliveira Prado é sócia da área cível e trabalhista no Diamantino Advogados Associados.

 

Piso da enfermagem traz incerteza jurídica e financeira (jota.info)

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