Abuso econômico de varejistas tem efeito negativo em tributação de fornecedores

Abuso econômico de varejistas tem efeito negativo em tributação de fornecedores

Por Bruno Minoru Takii                                                                                                                 

Apesar da enorme evolução do comércio eletrônico ocorrida ao longo dos últimos anos, ter uma marca presente nas lojas físicas de grandes mercados varejistas continua a ser relevante para a maior parte das indústrias. Mas para se utilizar essas “vitrines”, normalmente, se paga um altíssimo preço. Caso o valor não seja calculado adequadamente, o sonho de se vender em uma grande rede pode virar um verdadeiro pesadelo.

Por esse motivo, diz-se que os contratos firmados com as grandes do varejo costumam ser na modalidade “ganha-perde”: já de início, os postulantes a fornecedores se comprometem a entregar altas “bonificações em mercadoria” para a introdução da marca. Depois, dentro do contexto de um “contrato de adesão” (isto é, de cláusulas impostas pelo varejista), sujeitam-se a prazos bastante alongados para o recebimento de duplicatas (em alguns casos, ultrapassa-se os 60 dias), além de pagar o “enxoval” para a inauguração de novas lojas de seu cliente, bancar polpudas bonificações para o mercado aniversariante e, por fim, obrigar-se a conceder os famosos “descontos contratuais”, também conhecidos como “rebate” ou “rappel”.

De origem francesa, a cláusula de “rebate” se refere a uma série de modalidades de desconto estabelecidas em contratos de adesão formulados pelo varejista. O desconto mais comumente exigido é o “fixo por pedido”, onde simplesmente se determina um abatimento pré-fixado sobre o valor do pedido. Em sua variante mais sofisticada, o varejista faz uma “conta de chegada” para se compor esse desconto, imputando determinada parcela, por exemplo, à colocação dos produtos nas gôndolas, à reposição de mercadorias, à taxa para não devolução de produtos perecidos/com defeito, à centralização das entregas em um centro de distribuição (sem se emitir, contudo, uma nota sequer de prestação de serviços), e por aí vai.

Ao fornecedor de “primeira viagem”, vai aí uma advertência sobre as cláusulas de desconto fixo: apesar de não haver uma cláusula contratual nesse sentido, é pressuposto que as notas fiscais emitidas não discriminem o desconto contratual, devendo este constar apenas no título de cobrança. Se essa cláusula tácita for descumprida, o varejista, na melhor das hipóteses, rejeitará a nota fiscal; na pior, ele avisará, após a quarta ou quinta entrega, que os descontos não deveriam constar na nota fiscal e que, portanto, os abatimentos concedidos serão considerados como meras reduções no preço da mercadoria (ou seja, o desconto deverá ser “pago” novamente). Mas qual seria o motivo para se impor ao fornecedor uma obrigação de emitir uma nota fiscal que não corresponde à realidade dos fatos?

A resposta se resume aos ganhos tributários em tributos indiretos auferidos pelo varejista adquirente. Quando a nota é emitida pelo “valor cheio”, tanto o PIS/Cofins como o ICMS são calculados sem o abatimento do desconto realizado para a operação. No ICMS, esse crédito a maior é apropriado integralmente pelo varejista.

Já nas contribuições ao PIS/Cofins, o crédito a maior apropriado pelo varejista sofre redução, uma vez que, por força do entendimento da Receita Federal na IN SRF nº 51/1978, o desconto não destacado em nota fiscal deve ser reconhecido como receita financeira e, assim, tributado à alíquota de 4,65%. Como o crédito foi apurado à alíquota de 9,25%, sobra ao varejista crédito equivalente à aplicação de alíquota de 4,6%.

Para a empresa vendedora, a consequência de não destacar o valor do desconto na nota fiscal varia de acordo com o seu regime de tributação federal. Se a empresa for optante pelo lucro real, a receita operacional reconhecida a maior deverá vir acompanhada de uma despesa financeira de igual valor (cf. mesmo entendimento da Receita Federal), o que, em tese, anularia seu efeito para fins de tributação pelo IRPJ/CSLL. Contudo, isso só ocorrerá se a empresa tiver condições de demonstrar a efetiva necessidade do desconto (o que exigirá uma política rígida para o controle de documentos) para que, só assim, ele possa ser considerado como “dedutível”.

Quanto ao PIS/Cofins, o reconhecimento dessa receita operacional enseja a sua tributação, sem direito à dedução de base, uma vez que inexiste autorização legal nesse sentido para as despesas financeiras. Logo, o efeito seria semelhante ao que ocorre com o ICMS, ou seja, o fornecedor é quem arca com o ônus financeiro dos créditos do varejista.

Já nas empresas optantes pelo lucro presumido, o efeito é mais nefasto, pois estas, além de serem oneradas no PIS/Cofins e ICMS, também o são no IRPJ/CSLL, uma vez que o próprio regime não admite deduções sobre o faturamento. E para as empresas do Simples Nacional, o cenário é ainda pior, pois o reconhecimento de receitas inexistentes também lhes onera as contribuições ao INSS e IPI.

Na parte tributária, esse abuso de poder econômico teria totais condições de ser contornado, bastando-se, para isso, não se aplicar a IN SRF nº 51/1978, que determina, sem qualquer embasamento legal, que “incondicional” — passível de ser deduzido das bases de cálculo dos tributos federais — é apenas o desconto que, cumulativamente, (a) esteja destacado em nota fiscal e (b) não dependa de evento futuro.

Especialmente em decorrência do princípio da verdade material que rege o Direito Tributário, a nota fiscal com o desconto destacado não deveria ser considerada como a única prova capaz de atestar a “incondicionalidade” do desconto. Isso significa dizer que, levando-se em consideração a prática notória de abuso praticado nesse setor econômico, poderia se aceitar como prova da “incondicionalidade” a (a) emissão da duplicata com o abatimento concedido em sincronia com a emissão do documento fiscal e (b) os termos contratuais, buscando-se sempre pela realidade dos fatos. Isso seria suficiente para segregar esses descontos fixos dos demais tipos de desconto estabelecidos nesses contratos de adesão, como aqueles (a) vinculados ao atingimento de metas de compra e (b) os concedidos pelo pagamento adiantado de duplicatas mercantis, para os quais, de fato, caberia o carimbo de “desconto condicionado” à ocorrência de evento futuro, para os quais não há previsão de exclusão na lei.

Como a definição da “incondicionalidade” decorre apenas de interpretação dada por ato normativo da Receita Federal, a abertura de uma nova jurisprudência poderia se dar até mesmo no âmbito administrativo, uma vez que a fundamentação de eventual decisão favorável ao contribuinte não necessitaria do afastamento de qualquer dispositivo legal e, muito menos, de qualquer aventura por matérias constitucionais.

Agora, cabe à nova composição do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) decidir se mantém ou não essa injustiça tributária criada artificialmente pela Receita Federal.

Bruno Minoru Takii é sócio da área tributária do Diamantino Advogados Associados.

 

ConJur – Minoru Takii: Abuso econômico de varejista e tributação de fornecedor

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