Receita Federal deveria apenas exercer seu papel, e não legislar

Receita Federal deveria apenas exercer seu papel, e não legislar

Por Gustavo Vaz Faviero e Beatriz Palhas Naranjo

Recentemente, a 2ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região afastou a apuração do ganho de capital nos moldes da Lei nº 9393/96. Na ação, uma família uruguaia informou que o imóvel rural teria sido adquirido em 2015, por meio de herança, e estaria sendo vendido em 2018.

Como forma da apurar o Imposto de Renda sobre Ganho de Capital (IR-GCAP), a família pretendia utilizar a Lei nº 9393/96 [1], ou seja, com base na diferença entre o valor da terra nua (VTN) do ano de aquisição do imóvel rural e o VTN do ano da venda.

Contudo, como a venda teria ocorrido em momento anterior à entrega do documento de informação e apuração do Imposto sobre a Propriedade Territorial Rural (Diat), não haveria a declaração do valor do VTN no Diat para fins de apuração do ganho de capital.

Nesses casos, a IN n° 84/2011, em sentido contrário à Lei n° 9.393/96, prevê que o ganho de capital será apurado com base no valor efetivo da operação [2]. Pois bem, esse entendimento está equivocado. É necessário fazer alguns esclarecimentos de duas situações factuais distintas.

Primeiramente, deve-se deixar claro que prazo de entrega da declaração do ITR apenas se inicia em agosto e se encerra no mês subsequente. Antes da data de início não é possível entregar a declaração, pois o sistema de envio não está disponível.

A data da alienação do imóvel não pode ser determinante para definir o regime legal da tributação aplicável. Ora, se a alienação ocorrer no início do ano, o contribuinte não poderá gozar do VTN para fins de apuração do ganho de capital por que a Receita Federal não liberou o sistema? Por óbvio que não. Aliás, tanto é assim que a própria Lei 9393 não traz qualquer previsão neste sentido.

Outra situação é a do caso em que a declaração não foi entregue pelo contribuinte ou que possua erros. Nesses casos, ao regulamentar o ITR, a Lei 9393 prevê que a Receita deve realizar o lançamento de ofício do imposto [3] e, consequentemente, a “formalização” do valor do VTN para que possa ser apurado o ganho de capital.

Esse lançamento é realizado com base nas pautas com os valores da terra nua entregues pelos municípios à Receita, ou seja, nada lhe impediria de realizar o lançamento de ofício do imposto, como prevê o artigo 14 da referida lei. Com base nesse lançamento/pauta é que deveria ser feita a apuração do ganho de capital.

O que a Receita faz é desvirtuar o VTN e equipará-lo ao valor de mercado, descaracterizando a natureza rural do imóvel. Nesse cenário, o Superior Tribunal de Justiça consolidou o entendimento de que a regulamentação trazida pela IN está em “nítido descompasso com a legislação que lhe serve de sustentáculo” [4].

Contudo, o Conselho Administrativo de Recursos Fiscais segue o entendimento trazido pela IN ao considerar o valor de aquisição e alienação para fins de cálculo do ganho de capital e [5], apenas nos casos subavaliação do valor do VTN declarado, cabível se torna o seu arbitramento mediante apuração em laudo de avaliação.

Resta claro que não estamos falando que a lei deve ser considerada como um benefício, mas, sim, de uma forma de apuração do imposto. A Receita deveria apenas exercer seu papel e aplicá-la na prática, e não legislar, como estão fazendo por meio da IN 84/2011 e da Solução de Consulta Cosit 118/2019 [6].

Notas de rodapé

[1] “Artigo 19 – A partir do dia 1º de janeiro de 1997, para fins de apuração de ganho de capital, nos termos da legislação do imposto de renda, considera-se custo de aquisição e valor da venda do imóvel rural o VTN declarado, na forma do artigo 8º, observado o disposto no artigo 14, respectivamente, nos anos da ocorrência de sua aquisição e de sua alienação.

Parágrafo único. Na apuração de ganho de capital correspondente a imóvel rural adquirido anteriormente à data a que se refere este artigo, será considerado custo de aquisição o valor constante da escritura pública, observado o disposto no artigo 17 da Lei nº 9.249, de 26 de dezembro de 1995″.

[2] “Artigo 10 – Tratando-se de imóvel rural adquirido a partir de 1997, considera-se custo de aquisição o valor da terra nua declarado pelo alienante, no Documento de Informação e Apuração do Imposto sobre a Propriedade Territorial Rural (Diat) do ano da aquisição, observado o disposto nos artigos 8o e 14 da Lei No 9.393, de 1996.

(…)

  • 2º. Caso não tenha sido apresentado o Diat relativamente ao ano de aquisição ou de alienação, ou a ambos, considera-se como custo e como valor de alienação o valor constante nos respectivos documentos de aquisição e de alienação”.

[3] “Artigo 14 – No caso de falta de entrega do DIAC ou do DIAT, bem como de subavaliação ou prestação de informações inexatas, incorretas ou fraudulentas, a Secretaria da Receita Federal procederá à determinação e ao lançamento de ofício do imposto, considerando informações sobre preços de terras, constantes de sistema a ser por ela instituído, e os dados de área total, área tributável e grau de utilização do imóvel, apurados em procedimentos de fiscalização”.

[4] STJ – REsp: 1222773 RS 2010/0216458-8, Relator: ministra REGINA HELENA COSTA, Data de Publicação: DJ 14/06/2018

STJ – REsp: 1549675 RS 2015/0205062-0, Relator: ministro BENEDITO GONÇALVES, Data de Publicação: DJ 20/03/2018

[5] Acórdão n° 2202-004.754 – 2ª Câmara / 2ª Turma Ordinária, Sessão de 11 de setembro de  2018, Relator Martin da Silva Gesto

[6] “Assunto: Imposto sobre a Renda de Pessoa Jurídica – IRPJ

GANHO DE CAPITAL. IMÓVEL RURAL. VALOR DE ALIENAÇÃO.

Para fins de apuração de ganho de capital em relação à alienação de imóvel rural, deverão ser computados os valores constantes em DIAT, conforme a regra específica da Lei nº 9.373, de 1996. Caso a alienação ocorra em momento anterior ao período de apresentação do DIAT, deverá ser adotado como valor de venda o efetivo da respectiva operação.

Dispositivos Legais: Lei nº 8.981, de 1995, artigo 32, §2º; Lei nº 9.430, de 1996, artigo 25, §1º; Lei nº 9.393, de 1996, artigos 8º, 19 e 14; IN SRF nº 84, de 11 de outubro de 2001; IN RFB nº 1.715, de 2017, artigos 1º, 3º, 4º e 7º”.

Gustavo Vaz Faviero é advogado e coordenador da área tributária no escritório Diamantino Advogados Associados.

Beatriz Palhas Naranjo é estagiária no escritório Diamantino Advogados Associados.

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