Texto da reforma tributária resolve antigos problemas, mas pode criar novos litígios, avaliam tributaristas
Primeira parte da proposta da equipe econômica do governo federal foi entregue ao Congresso Nacional nesta semana e inclui unificação do PIS e da Cofins na nova Contribuição Social sobre Operações com Bens e Serviços (CBS) e fim do sistema cumulativo
A primeira parte da reforma tributária proposta pela equipe econômica do governo federal, entregue ao Congresso Nacional nesta semana, foi elogiada por advogados que defendem empresas em disputas contra o Fisco. Segundo eles, a unificação do PIS e da Cofins na nova Contribuição Social sobre Operações com Bens e Serviços (CBS) e o fim do sistema cumulativo aproximam o País de modelos europeus de tributação sobre valor agregado, simplificando o cálculo. Mas os especialistas também alertam para o risco de desigualdades e novos litígios na Justiça.
Vice-presidente da Academia Brasileira de Direito Tributário (ABDT), o advogado Eduardo Diamantino vê na extinção de regimes diferenciados de tributação uma forma de o governo criar empecilhos para quem aproveita créditos dos atuais tributos.
“Depois de quase dois a nos anunciando um projeto de radical alteração do sistema tributário brasileiro, deparamos com uma singela proposta de unificação do PIS e da Cofins acompanhada de elevação de alíquota. Chama atenção a semelhança com o projeto apresentado pelo então ministro da Fazenda Joaquim Levy em 2015. A proposta se presta a atrapalhar futuras compensações decorrentes de créditos de PIS/Cofins de processos existentes”, avalia.
Para o tributarista Tiago Conde Teixeira, presidente da Comissão de Assuntos Tributários da OAB-DF, a proposta é boa por trazer ‘uma nova lógica de tributação, com uma proposta de simplificação que já é há bastante tempo utilizada em outros países, especialmente na Europa’. “O atual sistema de tributação é muito complexo e os entes federados têm competência para tributar a mesma base em diversas etapas”, afirma.
Porém, Tiago Conde destaca que o projeto onera desproporcionalmente o setor de serviços, causando ainda mais desigualdade. “O novo sistema traz uma promessa de simplificação, segundo o governo. Mas a proposta é muito tímida e ainda precisa ser melhorada”, comenta.
Na avaliação do tributarista Richard Edward Dotoli, o governo frustra as expectativas de todos os contribuintes e do mercado de uma forma geral, quando apresenta a esperada reforma tributária de forma fatiada. O especialista diz que o ministro da Economia apresenta ‘doses homeopáticas’ de informações que inquietam o mercado de forma ‘absolutamente desnecessária’.
“Depois de uma expectativa enorme, apresentam uma alteração legislativa que se diz ‘acoplável’ às PEC45 e PEC 110 – projetos que tratam uma reforma tributária mais abrangente no nível constitucional e infraconstitucional. Transparece que o governo não tem uma proposta de reforma, mas sim que está aderindo ou ‘acoplando’ às propostas existentes. Ora, se era para aderir ou acoplar que fizesse isso já em 2019, e não agora, num período conturbado para o país. No final das contas o que sobra é um aumento significativo de tributação, e uma reunião de contribuições que poderia ter sido feita lá atrás. O que era ruim, agora mudou de nome e ficou pior”, diz Dotoli.
Para o advogado, o nome ‘Reforma’ não pode ser utilizado para descrever os quatro pontos indicados pelo governo. Dotoli avalia que seria ‘mais franco e democrático’ aderir às propostas já em discussão no Congresso, buscando um consenso. “Reforma seria, por exemplo, a desistência desse contencioso tributário gigante do Pis/Cofins, criado pelo próprio governo, e permitir créditos indistintamente. Para simplificar não é preciso de ‘Reforma’”, diz.
Por sua vez, o tributarista Hamilton Dias de Souza chama de ‘artimanha do governo’ a proposta de criação da nova Contribuição sobre Bens e Serviços. “Contribuições são de aprovação mais fácil, porque só dependem do voto da maioria dos parlamentares presentes na sessão de votação, ao passo que a criação de um imposto se faz por lei complementar, que exige maioria absoluta dos membros da Casa e votação em dois turnos”, explica.
Dias de Souza também critica a tributação da Educação, que vai no final das contas onerar o estudante e “constitui verdadeira incongruência num país que precisa urgentemente dar um salto qualitativo na área educacional para se desenvolver social e economicamente”.
Presidente do Instituto Pernambucano de Estudos Tributários e pós-doutora em Direito Tributário, Mary Elbe Queiroz explica a diferença. “Essa proposta onera profundamente o prestador de serviço, que não tem muitos créditos a compensar no modelo previsto no texto. Quem é optante pelo Lucro Presumido, por exemplo, que hoje paga 3,65% da receita bruta passará a pagar 12%. Quem é do Lucro Real vai de 9,65% para 12%”, avalia.
Segundo ela, esta é só a primeira etapa. “Mais aumentos virão. Como a tributação de Imposto de Renda sobre lucros e dividendos, que hoje são isentos”, afirma. “Mais uma vez, em vez de reestruturar gastos públicos, a opção foi a mais fácil: aumentar tributos.”
Já para Wilson Sales Belchior, conselheiro federal da OAB, o início da Reforma Tributária a partir da instituição da CBS é positivo, pois demonstra o compromisso em melhorar o ambiente de negócios e investimentos no país. “Simplificação, redução de custos e mais segurança jurídica são variáveis que podem favorecer em longo prazo crescimento econômico e desenvolvimento. Isso se observa, por exemplo, na proposta de tributação uniforme de bens e serviços; exclusão das receitas operacionais; não cumulatividade, restringindo a incidência sobre o valor agregado; redução das obrigações acessórias; estabelecimento de regimes diferenciados; e redução do potencial de judicialização a partir da uniformização de regras”.