Retrospectiva – Exclusão do ICMS da base de Cálculo do PIS e da COFINS

Retrospectiva – Exclusão do ICMS da base de Cálculo do PIS e da COFINS

A exclusão do ICMS na base de cálculo do PIS e da COFINS no dia 15 de março de 2017 foi uma das maiores vitórias dos contribuintes no Poder Judiciário. Transcorridos quase 3 anos do julgamento do caso pela mais alta corte brasileira, não deveria existir mais qualquer discussão sobre o tema.

Entretanto, por meio ações judiciais e extrajudiciais perpetradas pela Receita Federal do Brasil e pela Procuradoria da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional, buscou-se criar um cenário de insegurança jurídica para os contribuintes.

Primeiramente, no âmbito judicial, após a sessão de julgamento, o Fisco buscou minimizar o impacto financeiro da decisão com a oposição de embargos de declaração. Neles, eram postulados basicamente dois pontos: a) definição de que o ICMS a ser excluído é o devidamente pago pela empresa, e não o destacado na nota fiscal e b) modulação dos efeitos da decisão.

Os referidos embargos foram refutados em inúmeros artigos, palestras e colóquios. Foi demonstrado que, ao invés de buscar esclarecer uma obscuridade, omissão ou contradição no caso, a Fazenda tentava rediscutir o mérito do caso, criando uma divisão inexistente entre o ICMS pago e o ICMS destacado. Tanto era inexistente essa discussão que nenhuma das decisões e das petições mais antigas do caso, tanto dos contribuintes, quanto da Fazenda, versavam sobre este tema.

Os votos vencedores apontam expressamente que o ICMS destacado é que deve ser excluído. Por exemplo, no trecho a seguir da decisão da ministra Carmem Lúcia, fica claro que o ICMS a ser excluído é o destacado na nota fiscal:

“(…) Desse quadro é possível extrair que, conquanto nem todo o montante do ICMS seja imediatamente recolhido pelo contribuinte posicionado no meio da cadeia (distribuidor e comerciante), ou seja, parte do valor do ICMS destacado na ‘fatura’ é aproveitado pelo contribuinte para compensar com o montante do ICMS gerado na operação anterior, em algum momento, ainda que não exatamente no mesmo, ele será recolhido e não constitui receita do contribuinte, logo ainda que, contabilmente, seja escriturado, não guarda relação com a definição constitucional de faturamento para fins de apuração da base de cálculo das contribuições.

Portanto, ainda que não no mesmo momento, o valor do ICMS tem como destinatário fiscal a Fazenda Pública, para a qual será transferido.

(…) Toda essa digressão sobre a forma de apuração do ICMS devido pelo contribuinte demonstra que o regime da não cumulatividade impõe concluir, embora se tenha a escrituração da parcela ainda a se compensar do ICMS, TODO ELE, não se inclui na definição de faturamento aproveitado por este Supremo Tribunal Federal, pelo que não pode ele compor a base de cálculo para fins de incidência do PIS e da Cofins.

Enfatize-se que o ICMS incide sobre todo o valor da operação, pelo que o regime de compensação importa na circunstância de, em algum momento da cadeia de operações, somente haver saldo a pagar do tributo se a venda for realizada em montante superior ao da aquisição e na medida dessa mais valia, ou seja, é indeterminável até se efetivar a operação, afastando-se, pois, da composição do custo, devendo ser excluído da base de cálculo da contribuição ao PIS e da Cofins.

Contudo, é inegável que o ICMS respeita a todo o processo e o contribuinte não inclui como receita ou faturamento o que ele haverá de repassar à Fazenda Pública.”

 No mesmo sentido, os votos dos Ministros Luiz Fux e Ricardo Lewandowski, respectivamente:

“Aqui Vossa Excelência, então, encerra a questão ao assentar:

Se a norma exclui, da base de cálculo – essa é a ratio legis – daquelas contribuições sociais, o ICMS transferido integralmente para o Estados, deve ser enfatizado que não há como se excluir a transferência parcial decorrente do regime de não cumulatividade, em determinado momento, da dinâmica das operações. (…) Razão pela qual acompanho o voto de Vossa Excelência em todas as suas razões, como também na tese esposada.”

 “Não me impressiona, com o devido acatamento, o argumento que foi manejado aqui hoje nesta Sessão de que o contribuinte teria uma disponibilidade momentânea, transitória, do valor a ser repassado pelo Estado, inclusive passível de aplicação no mercado financeiro. É que essa verba correspondente ao ICM é do Estado, sempre será do Estado e terá que um dia ser devolvida ao Estado; não ingressa jamais, insisto, no patrimônio do contribuinte. Portanto, Senhora Presidente, louvando mais uma vez o voto de Vossa Excelência, o cuidado que Vossa Excelência teve em estudar uma matéria intrincada, difícil, eu acompanho integralmente o seu voto, dando provimento ao recurso e acolhendo a tese proposta por Vossa Excelência.”

 Ou seja, inexiste qualquer omissão, obscuridade ou contradição na determinação da exclusão da base de cálculo das contribuições do ICMS destacado na nota fiscal.

Por sua vez, a modulação dos efeitos da decisão trará um incentivo negativo ao Fisco, pois sinalizará que nem todo tributo que for declarado inconstitucional terá que ser devolvido ao contribuinte. O grande argumento da Fazenda no tópico é o elevado impacto financeiro da decisão. Ela alega que o valor a ser devolvido seria de aproximadamente R$ 250 bilhões de reais (sem jamais ter circulado a memória de cálculo apta a demonstrar a cifra apontada), o que traria efeitos negativos para as diretrizes orçamentárias do governo.

Além deste pedido se assemelhar ao de um condenado que deseja escolher onde e como vai cumprir a sua pena, o valor que a Fazenda estará obrigada a devolver é aquele que ela se apropriou indevidamente do contribuinte, sendo descabida a modulação de efeitos.

Paralelamente, a Fazenda buscou transferir ao Superior Tribunal de Justiça a competência para analisar qual parcela do ICMS deve ser excluída, situação que foi negada em dezembro de 2019 pelo ministro Napoleão Nunes Maia Filho em quatro recursos que o Fisco buscava a afetação do rito dos recursos repetitivos (REsp nº 1.822.251, 1.822.253, 1.822.254 e 1.822.256), sob o fundamento de que a matéria era eminentemente constitucional, não podendo o STJ usurpar a competência do STF para analisar o tema.

Não satisfeita, a Receita Federal tomou medidas administrativas para tentar mitigar o impacto. Primeiro, foi publicada a Solução de Consulta COSIT nº 13/2018, a qual expõe expressamente que, para o cumprimento das decisões judiciais, somente seria excluído o ICMS devidamente pago pela empresa, e não o destacado.

Por força do disposto no art. 9 da Instrução Normativa RFB 1.396/2013, a consulta possui força vinculante perante todos os auditores fiscais, que devem seguir o entendimento nela contido.

Fora o fato do seu conteúdo não respeitar a decisão do STF, causa estranheza a Solução de Consulta não ter sido originada a partir de um questionamento do contribuinte, mas sim da Coordenação-Geral de Contencioso Administrativo e Judicial. Ou seja, a própria Receita Federal fez um questionamento para ela mesma que, coincidentemente, foi respondido da maneira que é mais favorável a ela.

Ato contínuo, em outubro de 2019, buscando “simplificar” a sistemática do PIS e da COFINS, a receita Federal publicou a Instrução Normativa 1.911/2019.

A justificativa da norma deve ser lida de forma cômica. Considerando que ela possui “apenas” 766 artigos, distribuídos em 6 partes, 39 livros, 112 títulos, 189 capítulos, 159 seções, 127 subseções e 30 Anexos, alguns com erro de numeração e ordem, não se pode afirmar que houve uma “racionalização” da sistemática do PIS e da COFINS.[1].

Especificamente sobre a exclusão do ICMS da base de cálculo do PIS e da COFINS, o artigo 27, parágrafo único, reitera o entendimento da Solução de Consulta COSIT determinando que no cumprimento de sentenças transitadas em julgado somente o imposto estadual efetivamente pago pela empresa pode ser excluído da base de cálculo das referidas contribuições.

Neste cenário, as empresas que possuem decisões transitadas em julgado sem especificar qual o ICMS que deve ser excluído da base de cálculo do PIS e da COFINS é o destacado ou o pago correm o risco de terem as suas compensações ou pedidos de ressarcimento negados com base no art. 59 da Instrução Normativa nº 1.717/17.

Com a nova inclusão em pauta do RE 574706 no dia 1º de abril de 2020, espera-se que haja a conclusão do julgamento, finalizando a discussão sobre o caso.

 


[1] http://receita.economia.gov.br/noticias/ascom/2019/outubro/receita-federal-consolida-legislacao-referente-a-contribuicao-para-o-pis-pasep-e-a-cofins

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